Decisão do STF sobre registro de Profissionais de Educação Física expõe a sociedade a riscos e ignora legislação vigente

A decisão do STF acendeu um alerta entre profissionais da saúde, com destaque para os Profissionais de Educação Física, diretamente afetados © Wave Break Media / Depositphotos

Enquanto o STF desmonta pilares da regulamentação da Educação Física, o Sistema CONFEF/CREFs permanece em silêncio constrangedor, expondo os profissionais e milhões de brasileiros à vulnerabilidade institucional.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 8 de abril de 2025

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de restringir os efeitos da Lei Estadual nº 11.721/2002, do Rio Grande do Sul — que exigia o registro de academias, clubes e estabelecimentos similares no Conselho Regional de Educação Física (CREF) e a presença de um responsável técnico qualificado — acendeu um alerta grave entre profissionais da área da saúde, especialmente os Profissionais de Educação Física (PEFs), e todos os que prezam pelo bem-estar e a segurança da população.

A medida, proposta por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4399, ajuizada pela Confederação Nacional de Serviços (CNS), foi parcialmente acolhida pela maioria dos ministros da Corte. Com isso, o STF decidiu que não é mais obrigatória a contratação de profissionais registrados nos conselhos regionais da categoria em atividades consideradas “meramente lúdicas e sem risco à saúde”.

Embora tenha prevalecido o voto do ministro Flávio Dino, que defendeu uma “interpretação conforme à Constituição” para flexibilizar a norma, os riscos dessa decisão são evidentes. A justificativa da maioria — de que atividades recreativas não exigiriam supervisão profissional — ignora completamente a complexidade da prática de atividades físicas e o potencial risco à saúde de milhões de brasileiros que frequentam clubes, academias, escolas e demais espaços recreativos.

O que está em jogo é a segurança da população

A decisão afronta frontalmente a Lei Federal nº 9.696/1998, que regulamenta a profissão de Educação Física, e ignora a razão pela qual o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e os conselhos regionais foram criados: proteger a sociedade de práticas amadoras, do empirismo e da atuação de pessoas sem a devida formação técnica.

A interpretação dada pelo STF não apenas despreza a hierarquia legislativa, sobrepondo-se a uma norma federal clara e consolidada, como desconsidera o próprio papel do Estado no zelo pela saúde pública e pela segurança de seus cidadãos. 

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A decisão levanta uma dúvida alarmante: quem define o que é uma atividade sem risco à saúde? Uma aula de recreação para idosos com mobilidade reduzida, por exemplo, pode parecer “lúdica”, mas exige conhecimento técnico aprofundado para prevenir acidentes, agravos musculoesqueléticos, eventos cardiovasculares e outras complicações que colocam em risco a integridade física do praticante.

A Lei Estadual nº 11.721/2002, ora questionada, é clara ao disciplinar o funcionamento de clubes, academias e estabelecimentos que ofereçam ginástica, musculação, artes marciais, esportes e outras atividades físico-desportivo-recreativas. O objetivo da norma sempre foi garantir a presença de um responsável técnico devidamente capacitado — e registrado — para conduzir essas práticas com total segurança.

Ministros que conhecem o setor defenderam a norma

O ministro Nunes Marques, relator do processo, votou pela total constitucionalidade da norma estadual e foi acompanhado por Cristiano Zanin e Edson Fachin. Em seu voto, Nunes ressaltou que a exigência de registro profissional visa “resguardar a saúde e a segurança dos usuários dos serviços prestados” e lembrou que essas normas estão amparadas na competência legislativa concorrente entre União e Estados, conforme prevê o artigo 24 da Constituição Federal.

Ainda segundo Nunes, a obrigatoriedade de contratação de profissionais qualificados não fere a livre iniciativa nem o direito ao exercício profissional, pois trata-se de atividade com potencial lesivo se mal executada — o que justifica o controle e fiscalização por parte do Estado e dos órgãos competentes como o CONFEF e os CREFs.

O parecer do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República também foi contrário à ADI, defendendo a manutenção da norma gaúcha.

Inversão de valores e fragilidade técnica na decisão

A votação, contudo, foi vencida pela maioria que acolheu o voto-vista do ministro Flávio Dino, sob o argumento de que a lei estadual criaria um ônus desproporcional a estabelecimentos que oferecem atividades recreativas. Essa leitura revela uma fragilidade conceitual preocupante por parte do Judiciário, que trata como “recreação inofensiva” práticas que exigem atenção especializada, sobretudo quando envolvem públicos vulneráveis como crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas.

A decisão ainda abre brechas perigosas para o avanço da informalidade, da atuação de pessoas não qualificadas e do enfraquecimento das políticas públicas voltadas à saúde preventiva e à atividade física orientada.

Alerta à sociedade: saúde não se improvisa

O quadro é gravíssimo. Milhões de brasileiros estão sendo expostos a riscos desnecessários por conta de uma decisão que ignora fundamentos básicos da área da saúde e da Educação Física. Mais preocupante ainda é que essa alteração normativa tenha sido conduzida por pessoas sem qualquer formação na área e que desconsideraram a ciência, a técnica e a realidade de quem trabalha diariamente com o corpo e com a vida de outros seres humanos.

A regulamentação profissional existe para garantir qualidade, segurança e responsabilidade. Quando o STF reduz essas exigências, não está defendendo liberdade econômica, mas sim fragilizando a proteção da sociedade — e isso é, no mínimo, irresponsável.

Silêncio institucional se torna cúmplice

Diante de um cenário tão grave, é inaceitável que o Conselho Federal de Educação Física limite-se a uma nota protocolar, evasiva e sem posicionamento político claro. A categoria exige ação imediata. O CONFEF tem a obrigação institucional de reagir com firmeza, acionar sua assessoria jurídica, mobilizar os conselhos regionais e defender o que sustenta a existência da própria entidade: a proteção da sociedade contra práticas leigas e a valorização dos profissionais legalmente habilitados.

Mas a responsabilidade não é apenas do CONFEF. Todos os que defendem boas práticas, ciência, saúde pública e o futuro da Educação Física brasileira — gestores, entidades representativas, instituições de ensino, parlamentares e lideranças regionais — precisam sair da zona de conforto. A omissão, neste momento, é cumplicidade. E o silêncio institucional, além de vergonhoso, pode custar caro para toda a sociedade.
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