Mercado de Trabalho em Educação Física e no esporte cresce, mas carências e indefinições persistem

Ângelo Vargas destaca as carências e fragilidades dos currículos dos cursos de Educação Física no Brasil © Global Sports

O Conselho Federal de Educação Física não trabalha para que as faculdades se modernizem, e a legislação é confusa e contraditória quanto ao papel do profissional.

Por Ângelo Luís de Souza Vargas
3 de março de 2024 / Curitiba (PR)

Uma das maiores preocupações que temos em relação às diretrizes curriculares nacionais e às suas frequentes adaptações promovidas pelo Ministério da Educação (MEC) diz respeito à formação de profissionais voltados a atividades físicas e desportivas. Ou seja, à qualificação prática e acadêmica do indivíduo que vai atuar na sociedade prescrevendo exercícios físicos e em funções ligadas à saúde e ao desporto. O capital cultural, acadêmico, técnico e cientifico necessário a esse profissional deve ser fornecido pelas instituições de ensino superior (IES), nas faculdades de Educação Física.

Portanto, quem vai atuar diretamente com o desporto é o bacharel em Educação Física – ao qual vou me ater por enquanto, já que o licenciado em Educação Física também trabalha com desporto, pois se trata de matéria obrigatória em alguns níveis de formação escolar.

Apesar de no mundo contemporâneo, bastante dinâmico, ter crescido muito o âmbito de atuação do Profissional de Educação Física no mercado de trabalho, nomeadamente do bacharel em Educação Física, a designação de quem pode ou não atuar, e em que áreas específicas, torna-se a cada dia mais fluida. Como exemplo pode-se citar o advento da subcategoria de tecnólogo pela complementação da lei 9.696 e que não está prevista na resolução a respeito do tema do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF).

“A nova lei de base do desporto teria de explicar muito melhor a forma taxonômica de como distribuir o desporto.”

Bacharel é aquele profissional que vai atuar diretamente com o desporto em todas as suas dimensões. A nova Lei Geral do Esporte não só não revoga a lei 9.615, como também não pode ferir, por uma questão de hierarquia, o artigo 217 da Constituição da República, que define o desporto como forma de educação, competição, desenvolvimento e formação do indivíduo, além de, na educação continuada, de participação voltada sobretudo para a saúde social.

Eu entendo que a Constituição da República é bastante abrangente e fala a verdade da realidade do Brasil. Portanto, a nova lei de base do desporto teria de explicar muito melhor a forma taxonômica de como distribuir o desporto.

Mas, independentemente disso, o mercado de trabalho tornou-se muito mais abrangente para o Profissional de Educação Física bacharel. Entretanto, uma das fragilidades que eu vejo nos currículos universitários é a pouca ou nenhuma atenção que se dá, por exemplo, à formação da ética desportiva. Quero acreditar, no meu melhor juízo, que a ética deve ser trabalhada nos cursos de Educação Física, nas especificidades de cada modalidade desportiva. Os professores dessa matéria, obviamente, deveriam seguir uma unidade de programa que celebre e contemple imediatamente os valores e a moralidade do esporte que vão desencadear um contorno axiológico da ética desportiva.

Nas aulas de Educação Física, essa formação vem desde Thomas Arnold, na doutrina inglesa. Mas, muito antes, a cultura grega já nos dava aulas do que eu chamo de doutrina – aquilo que é imutável independentemente da dimensão temporal. E até hoje o desporto é uma forma de educar em qualquer época da vida do ser humano, ou seja, desde a pré-infância até a terceira idade. Educa-se o indivíduo para o convívio com ele mesmo e com a sociedade.

Um dos aspectos mais interessantes da formação do bacharel diz respeito a sua presença no desporto de alto rendimento, seja na formação, seja no próprio exercício profissional. A atuação profissionalizada do desporto apresenta hoje várias nuances e vertentes. Há o supervisor desportivo, o aconselhador desportivo, o coordenador desportivo, o coordenador de divisão de base, o coordenador de divisão profissional… e isso ocorre em todas as modalidades desportivas. Neste momento, apenas para ser didático, fico restrito aos médios e grandes clubes.

“Uma das fragilidades que eu vejo nos currículos universitários é a pouca ou nenhuma atenção que se dá, por exemplo, à formação da ética desportiva.”

Enquanto as possibilidades de atuação do mercado de trabalho se multiplicam, o profissional que nele procura atuar apresenta uma deficiência muito intensa no que diz respeito à ética desportiva. No entanto, é por meio dessa ética desportiva que as agremiações, clubes e associações poderiam economizar energia e passar ao largo dos processos judiciais esportivos. Bastaria valer-se de aconselhamento e de psicologia desportiva, porque quanto mais se conhece a ética e mais se educa nela, menos indivíduos irão transgredir as regras do jogo – tanto atletas quanto dirigentes.

Aqui vou em um sentido muito mais agudo, que é a questão do direito desportivo, matéria autônoma da qual sou professor há 33 anos na Escola de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tenho, nas quatro cadeiras de que sou titular, alunos de Educação Física e de Direito. Ainda bem que alunos de Educação Física, aconselhados por seus professores ou por entendimento próprio, nos procuram para cursar essa matéria. E ficam encantados com o mundo novo que se descortina à frente deles sob o ponto de vista pedagógico. Porque conhecer a lei e o direito desportivo, como já mencionei, proporciona uma economia muito grande. O profissional de Educação Física atuando como treinador, coordenador, preparador físico e até como arbitro, enfim, nas suas múltiplas funções, ao conhecer o direito desportivo vai educar desportivamente.

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Não quero aqui desencadear uma discussão erudita, mas essa questão de educar por meio do Direito vem desde a Revolução Francesa, quando Rousseau, um dos pais da moderna concepção de leis, deixou muito claro que se educa por meio da legislação.

Eu, por exemplo, trabalho como auditor no Tribunal de Justiça Desportiva da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj), e um dos problemas com que mais me deparo é a falta de educação esportiva. Vejo agremiações punidas financeira e pecuniariamente e atletas afastados de jogos e competições, ou seja, daquilo que eles mais sabem fazer, pelo simples desconhecimento da legislação. Neste momento, a regra moral e a regra de direito se fundem na ética e no direito desportivo.

“Até hoje o desporto é uma forma de educar em qualquer época da vida do ser humano, ou seja, desde a pré-infância até a terceira idade. Educa-se o indivíduo para o convívio com ele mesmo e com a sociedade.”

Acho que não cabe aqui maior aprofundamento, pois a legislação é bastante extensa. Hoje falamos da chamada Lex Desportiva, que nada mais é do que o preâmbulo do Direito Internacional Desportivo, que vale para todos os países e cuja literatura inclui o Brasil como protagonista.

No entanto, eu não vejo vontade política do Conselho Federal de Educação Física de aconselhar as reitorias das universidades, de influenciar o corpo docente e os quadros responsáveis pela construção dos currículos. Há 12 anos eu introduzi a disciplina ética, seguindo uma resolução do CONFEF que aconselha todos os cursos de Educação Física a incluírem a ética profissional e o estudo do código de ética profissional. O mesmo deveria ser feito com o direito desportivo.