CONFEF: sistema antidemocrático que perpetua sua elite no poder e ignora 668 mil profissionais registrados

O Discóbolo de Myron é o símbolo da Educação Física no Brasil porque representa os ideais clássicos de equilíbrio, força, harmonia e movimento que estão no cerne da prática e filosofia da Educação Física © Getty Images

Na prática, não existe democracia. O que prevalece são regras absurdas que blindam um sistema perverso, marcado pela malversação de recursos é  alimentado pela eternização no poder.

Por Paulo Pinto / Global Sports
26 de janeiro de 2025 / Curitiba, PR

O ano de 2024 marcou a primeira eleição unificada do sistema CONFEF/CREFs, prometendo nova forma de representação para os Profissionais de Educação Física, com a expectativa de ampliar a representatividade e a participação de cada Estado. Mas, será que essa promessa foi efetivamente cumprida?

Para iniciar essa discussão, cabe lembrar que o sistema CONFEF/CREFs é formado por autarquias federais, instituídas pela lei federal 9.696/98 e reafirmadas pela lei federal 14.386/22, que definiram a profissão de educação física, seus atributos e responsabilidades. Dessa forma, os conselhos tornaram-se responsáveis pelo registro, regulação da ação profissional em defesa da sociedade, fiscalização da prática profissional e gestão dos recursos proporcionados pelos profissionais registrados.

Segundo dados disponibilizados pelo Portal da Transparência e site do CONFEF, atualmente há 668.247 profissionais registrados como pessoas físicas e 92.786 registrados como pessoas jurídicas, totalizando 761.033 registros.

A receita líquida prevista para o ano de 2024, divulgada pelo CONFEF, foi de R$ 60.721.000,00, o que nos permite estimar que a receita total do sistema CONFEF/CREFs gire em torno de aproximadamente R$ 300 milhões, uma vez que seu Regimento Interno, no Artigo 10º e §1º, afirma que os CREFs são responsáveis pelas cobranças das obrigações dos profissionais registrados, ficando com 80% e repassando 20% ao CONFEF.

A escultura grega do século V a.C., criada por Myron, retrata um atleta no momento do lançamento do disco. Esse instante captura o ápice do controle corporal, precisão técnica e esforço físico, valores que também são pilares da Educação Física © Getty Images

Outro dado relevante para nossa reflexão é a falta de alternância de poder, uma vez que, em 26 anos de existência, o CONFEF teve apenas dois presidentes. O atual, Cláudio Augusto Boschi, por exemplo, presidiu o CREF6, de Minas Gerais, desde a sua fundação, e acabou de iniciar o segundo mandato no CONFEF, que findará em 31 de dezembro de 2028, completando aproximadamente 30 anos como presidente dentro do sistema CONFEF/CREFs. E a falta de renovação se estende a outros membros da diretoria, que são, em sua quase totalidade, conselheiros reeleitos para diversos mandatos e membros de diretorias que se revezam no controle do poder.

“Cerca de 65% dos Profissionais de Educação Física com direito a voto foram impedidos de votar pela Comissão Eleitoral do CONFEF.”

Poderíamos conjecturar que esse seria um caso de “eficiência de gestão”, reconhecida pelos Profissionais de Educação Física. Entretanto, a estrutura do sistema eleitoral, alterado recentemente, dificulta essa constatação e levanta dúvidas a respeito do caráter democrático que seria esperado para o pleito.

De acordo com o Regimento Eleitoral do Sistema (Res. CONFEF № 513/2023), o voto é obrigatório e secreto, a exemplo da legislação eleitoral brasileira, lembrando se tratar de uma autarquia federal que administra dinheiro público. Mas o compromisso e a seriedade equivalentes às eleições políticas do País acabam aí. Há diversos pontos das eleições do sistema sobre os quais tentaremos colocar um pouco de luz para a reflexão do leitor.

Voto pelo correio

O processo eleitoral do sistema CONFEF/CREFs utiliza voto impresso, enviado por carta pelo CONFEF, via Correios, no caso da eleição federal, e que deve ser respondida com o voto do profissional, demandando tempo e deslocamento do votante. Durante os 25 anos em que a eleição se realizou desta forma, constatou-se que a adesão é muito baixa, seja pelo dispêndio de tempo, seja por problemas nos Correios ou motivos correlatos.

No contexto brasileiro, o Discóbolo foi adotado como símbolo devido à sua forte conexão com a prática esportiva e a valorização do corpo em movimento, refletindo o compromisso com a formação física, ética e cidadã. Além disso, ele simboliza a ligação entre o desenvolvimento físico e mental, promovendo uma visão holística da educação © Thierry Chesnot / Getty Images

Alternativamente a isso, temos o exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que aderiu ao voto eletrônico para facilitar a votação dos seus registrados. Mas, apesar dos exemplos, e do avanço tecnológico, o CONFEF insiste nesse formato convenientemente arcaico, pois assim os eventuais “erros”, como veremos posteriormente, poderão ser terceirizados para os Correios e ao acaso, como extravios, atrasos na entrega ou na devolução de cartas-voto, e diversos outros fatores. Ressalte-se que, nesse formato de eleição, não há garantias de que a cédula de votação chegue a todos os destinatários. Outros pontos, que veremos a seguir, complementam a reflexão dessa alegação.

Votação na sede do CONFEF

Além da postagem da carta-voto pelos Correios, a única forma de votação alternativa é o voto presencial na sede do CONFEF, que fica no Rio de Janeiro. (Ironicamente, não é no Distrito Federal, onde estão os demais conselhos classistas, como dispõe a lei complementar 14.386/22.) Nessa opção, vale destacar que o votante deve arcar com todo o ônus do deslocamento e do tempo com recursos próprios, sendo que a votação se realiza num único dia, no horário comercial.

Apenas a título de exemplo, o profissional que reside na Região Norte, e que por qualquer motivo não tenha recebido a cédula de votação, ou tenha recebido sem tempo hábil para a devolução, deveria deslocar-se até o Rio de Janeiro para cumprir com sua obrigação profissional, sob pena de sofrer sanções como proibição de votar e ser votado em eleições futuras, além da cobrança de multa.

E antes que alguém diga que para esses casos está prevista a justificativa de voto, vamos olhar pela perspectiva do direito do profissional de escolher seus representantes, seriamente comprometido por esse modelo arcaico, o que nos leva à seguinte dupla reflexão: CONFEF e CREFs não são parte de um sistema? Por que não se permite votação nas sedes dos CREFs? Por que somente os cariocas e fluminenses poderiam votar presencialmente, sem ônus de uma viagem interestadual? Esse fato, por si só, denota a falta de isonomia no sistema, ou seja, não há o mesmo tratamento para os profissionais do Rio de Janeiro e os dos demais 25 Estados e do próprio Distrito Federal.

Pagar, para poder votar

Ao contrário das votações nos CREFs, em que a remessa da carta-resposta é custeada pela entidade estadual, no pleito federal a postagem do voto foi cobrada do profissional votante. Trata-se de um fato inédito: pagar para exercer o direito de votar. Caso contrário, o voto não é computado, o que representa uma afronta a princípios fundamentais da democracia.

https://www.sicoob.com.br/web/sicoobcentralscrs

A justificativa para esse absurdo também foi atribuída aos Correios, o que nos leva de volta ao início dessa reflexão, quando apontamos a terceirização da culpa como modus operandi quando o assunto são as eleições do sistema em 2024. O que nos leva a refletir que os envolvidos com a eleição do CONFEF foram, nesse caso, desrespeitosos, incompetentes ou usaram de má-fé!

Apenas esses três apontamentos já demonstram que, nos 26 anos de existência do sistema, a participação efetiva dos Profissionais de Educação Física nas eleições do CONFEF não é prioridade. Mas o quadro ainda piora muito mais! Vejamos adiante.

Número de votantes e nominata

Como visto anteriormente, o sistema possui mais de 668 mil profissionais registrados, o que deveria ser o número aproximado de eleitores. Mas não é assim que o sistema funciona, lembrando novamente tratar-se de uma autarquia federal e não de um clube privado.

Ficou determinado que os profissionais aptos ao voto teriam o nome publicado em uma nominata produzida pelo próprio sistema CONFEF/CREFs, obedecendo às seguintes condições do regimento eleitoral do CONFEF, documento decidido pela plenária e pelo presidente, que foram reeleitos:

I – Estejam em pleno gozo de seus direitos profissionais junto ao Sistema CONFEF/CREFs até o dia 15 de março de 2024;

II – Possuam, no mínimo, três anos de registro ininterrupto no Sistema CONFEF/CREFs até o dia da publicação da nominata.

Entendendo-se que estar em “pleno gozo de seus direitos profissionais” o profissional que não possua débitos em aberto e não esteja cumprindo pena administrativa e/ou ético-disciplinar junto ao sistema até a data citada, além da carência de três anos de registro, tem-se como resultado prático de tais restrições apenas 235.691 profissionais aptos ao voto, aproximadamente 35% do total de registrados no sistema.

“Não existe eleição: o presidente foi reconduzido ao cargo por indicação de 20 conselheiros titulares, sendo que 14 foram candidatos únicos em seus Estados, resultado de manobras da diretoria do Conselho Federal que se perpetua no poder. Ou seja, uma profissão com 668.247 PEFs é comandada por um pequeno grupo de amigos que se alternam no comando e dirigem o CONFEF em benefício próprio.”

Portanto, a nominata delimita o voto a um em cada três profissionais, esvaziando a legitimidade do pleito quando se compara às eleições no País, nas quais apenas motivações extremas impedem que um cidadão exerça seu direito de votar, de decidir. Nesse caso, estar em “pleno gozo de seus direitos profissionais” constitui um parâmetro subjetivo e configurado pelos que fazem parte da administração e têm interesse na eleição. Estipular uma carência de três anos para considerar um profissional apto ao voto é totalmente questionável, pois além de tolher o interesse do jovem profissional pela política de sua profissão, ainda dificulta a renovação dos quadros de representantes no conselho. E débitos financeiros devem ser cobrados, e não impeditivos de votar, conforme a legislação eleitoral brasileira!

Em 2 de setembro de 2020 o presidente Jair Bolsonaro foi homenageado, com o Discóbolo de Mirón de ouro, maior honraria da educação física concedida no país © Rafael Carvalho / Ministério da Cidadania

Diante desse cenário cabe o questionamento: É justificável impedir o voto a mais de 400 mil profissionais por uma nominata gerada pelos que fazem parte do pleito? Mas as ilegalidades e disparates eleitorais não param aí.

Votos anulados

Do total de 30.509 votos computados, 30.393 votos foram enviados pelos Correios e 116 foram presenciais, efetuados na sede do CONFEF. Tais números demonstram a disparidade entre os profissionais votantes, quando comparados ao número de registrados no sistema, correspondendo a menos de 5% do total, e aproximadamente 13% dos profissionais aptos ao voto, segundo a nominata.

Além disso, a baixa participação torna-se ainda menor se contarmos que apenas 18.804 foram votos válidos no cômputo geral, sendo que 1.317 foram votos em branco e 10.388, nulos. Ou seja, aproximadamente 34% dos poucos votos que chegaram ao pleito foram invalidados. Uma das possíveis explicações para isso são as regras de votação pelos Correios, extensas e excessivamente punitivas no que tange à invalidação do voto, fato que já era conhecido pelos conselheiros, pelas várias eleições do sistema em seus 26 anos de existência.

“Temos candidatos como o de Tocantins, que obteve apenas assustadores 27 (vinte e sete) votos, e do Amapá, que totalizou 30 (trinta), e cujos coeficientes eleitorais os colocaram como conselheiros titulares. Em contrapartida, Estados que tiveram disputa, como São Paulo, cujo vencedor recebeu 2.776 votos, e Santa Catarina, cujo vencedor obteve 1.067, foram colocados como conselheiros suplentes – sem direito a voto. Simplesmente inexplicável.”

Como pudemos constatar até aqui, o modelo de eleição, acrescido das numerosas restrições da nominata e das regras de postagem dos votos, culminou num resultado no qual menos de 3% dos profissionais registrados no sistema decidiram sobre o controle do CONFEF e, consequentemente, dos rumos da profissão. Portanto, cabe questionar: que legitimidade têm os eleitos, considerando a baixa representatividade dessa eleição? Na prática, apenas 3% do colégio eleitoral decidiram o destino de R$ 1,2 bilhão, valor arrecadado pelo sistema e que será administrado pelos eleitos para o mandato de quatro anos. Os problemas, porém, ainda não acabaram.

Paridade e isonomia zero

Outro ponto a ser considerado no quesito representatividade é que foi eleito um representante por Estado, o que em tese seria um critério justo, não fosse o fato de haver Estados sem CREF próprio, sendo representados como uma macrorregião. Esse é o caso do CREF 8, por exemplo, que engloba Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima, o que significa que estes Estados não possuem número mínimo de profissionais registrados para serem autônomos e reconhecidos com seu próprio conselho regional.

Selo postal comemorativo dos Jogos Olímpicos do México, 1968, representando a estátua de Discóbolo de Myron © Bridgeman Images

Nesse caso temos apenas um CREF e quatro conselheiros que representam o mesmo regional, resultando em grave falta de paridade, sendo que quanto menos profissionais registrados, maior a representatividade da região junto ao CONFEF, ferindo mais uma vez o princípio de isonomia dentro do sistema.

É legitimo pensar que todas as Unidades da Federação devem estar representadas num órgão federal, porém são as próprias normas do CONFEF que impedem a criação de conselhos regionais em Estados cujo número de profissionais registrados seja baixo. Portanto, cabe questionar tal disparidade, já que tais Estados podem ter conselheiros federais mas não podem ter um CREF, sendo um Estado tutelado por outro.

Favorecimento de Estados sem disputa

Por fim, e não menos complicada, é a normativa de definição de conselheiros federais titulares ou suplentes, feita por um coeficiente eleitoral relacionado à porcentagem dos votos obtidos no pleito, desconsiderando o número total de votos para efeito de representatividade. Para melhor entendimento dos leigos e PEFs recém-formados, os conselheiros detêm poderes enormes, e são eles, por exemplo, que elegem o presidente do Conselho Federal de Educação Física.

Para facilitar o entendimento do quanto isto é grave, nesta eleição, 14 Estados tiveram candidatos únicos, somados a mais dois que foram impugnados, ou seja, a representação dos mais de 688 mil profissionais foi decidida, em sua maioria, em pleitos sem disputa, incluindo o do atual presidente reeleito por Minas Gerais, com pouco mais de mil votos.

Temos ainda, em razão dessa mesma regra, candidatos como o de Tocantins, que obteve assustadores 27 (vinte e sete) votos, e do Amapá, que totalizou 30 (trinta), e cujos coeficientes eleitorais os colocaram como conselheiros titulares. Em contrapartida, Estados que tiveram disputa, como São Paulo, cujo vencedor recebeu 2.776 votos, e Santa Catarina, cujo vencedor obteve 1.067, foram colocados como conselheiros suplentes – sem direito a voto. Se levarmos em conta que apenas 18.804 votos foram considerados válidos para o pleito, isso significa que apenas o candidato de São Paulo recebeu quase 15% de todos os votos válidos, e se somados Santa Catarina e São Paulo, representariam mais de 20% dos eleitores validados em toda a votação. Mesmo assim ambos foram colocados como suplentes.

Mais uma vez questiono: Esse critério é representativo para os Profissionais de Educação Física? Por que o CONFEF insiste em não respeitar os profissionais, criando normas que prejudicam a vontade do voto do registrado? É esse o comportamento esperado de uma autarquia federal, no que se refere aos preceitos democráticos e à isonomia?

Por fim, é muito difícil não pensar que todo esse quadro seja desejável para que não haja alternância de poder, pois lá se vão 26 anos de experiência do sistema CONFEF/CREFs em relação a eleições, e que a essa altura poderia estar executando mudanças para estimular a participação de todos os profissionais nas eleições do sistema.

Perpetuação e continuísmo travestidos de representatividade

O sistema eleitoral do CONFEF/CREFs é um conjunto de disparates que desrespeitam todos os princípios democráticos e contêm vícios profundamente arraigados. Regras que excluem, processos que desestimulam a participação e critérios que favorecem escancaradamente a diretoria da entidade, transformando o pleito num exercício de blindagem institucional.

Curiosamente, todos os Estados cujos dirigentes se opuseram ao sistema tiveram candidatos impugnados, ou uma quantidade absurda de votos inválidos, como aconteceu com São Paulo, que teve 60% dos votos rejeitados pela comissão eleitoral do CONFEF.

Com apenas 3% de participação efetiva, decisões bilionárias são tomadas por um sistema estruturado para manter privilégios e evitar a renovação. Não há isonomia, paridade ou respeito ao direito de escolha dos profissionais, resultando numa perpetuação de poder travestida de representatividade.

Enquanto esses vícios não forem sanados, o que resta é um sistema absolutamente corrompido, que finge ser democrático, mas opera como um clube fechado, sustentado por práticas desonestas, em que as mudanças são sufocadas e a vontade, os interesses e os direitos dos quase 700 mil profissionais são anulados por uma gestão corrupta e alheia à representatividade.

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