29 de março de 2025

Há muito se fala que a escola, como instituição educacional, forma pessoas para a vida. A origem das instituições de ensino, aliás, está diretamente relacionada à necessidade de formar pessoas com condutas específicas para a vida em sociedade. Todavia, nunca se falou tanto em aproximar o ensino das disciplinas escolares aos sonhos ou projetos de vida dos alunos, como ocorre agora.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define dez competências para o desenvolvimento por meio da educação escolar, das quais a sexta é exatamente “trabalho e projeto de vida”. A expectativa sobre a formação dos alunos nessa competência é que eles sejam capazes de valorizar conhecimentos e experiências e apropriar-se deles para entender o mundo do trabalho e fazer escolhas relacionadas ao seu projeto de vida com liberdade, autonomia, criticidade e responsabilidade (BRASIL, 2017).
A sociedade atual necessita do ensino que tenha sentido e significado para todos os atores do processo © Arquivo
A abordagem do projeto de vida como competência geral na BNCC trouxe à tona a premissa de que não vale a pena ensinar na escola, aquilo que não está relacionado à vida dos atores do processo educacional. Essa ideia ou ideal é, apesar de antiga na educação e em outros ramos da sociedade, extremamente usual e pertinente à atualidade. Afinal, a questão básica que todo professor ou gestor educacional deve responder diariamente ao tomar as suas decisões profissionais e desenvolver as atividades educacionais é: o que realmente vale a pena ensinar na escola? Ou o que os alunos necessitam aprender atualmente?
A intencionalidade do ato pedagógico é um dos princípios da docência e, portanto, deve permear todas as decisões e intervenções profissionais na escola. Diante da missão de ensinar para a vida, a essência da intenção pedagógica reside na ideia de que todas as atividades realizadas pelos alunos devem estar carregadas da vida cotidiana e do próprio ser dos alunos. Afinal, a vida dos alunos é o ponto de aplicação das aprendizagens e, portanto, deve ser o contexto do ensino das disciplinas.
Não resta outra coisa senão elevar a ideia de que a vida é o centro de toda aprendizagem, pois as pessoas aprendem aquilo que é parte útil e ativa do seu cotidiano, entendem o que está intimamente relacionado com as suas expectativas e problemas da vida. Então, a melhor maneira de aprender é carregando de vida o próprio processo de ensino, no qual os atores interagem, especulam, sentem, entendem, percebem e se relacionam na busca dos conhecimentos que os aproximarão do seu projeto de vida. E não é possível conceber a formação para a vida, se não for tomando o professor como exemplo desse processo, envolvendo e engajando toda a comunidade escolar e abordando as competências socioemocionais como conteúdo e meio dentro desse processo de desenvolvimento.
A Educação Física moderna direcionada à formação para a vida
A cultura de movimento é o campo de estudo e prática das aulas de Educação Física na educação básica que, por sua vez, é disciplina obrigatória no currículo escolar. Considera-se, portanto, que as aulas de Educação Física configuram a oportunidade de os jovens se confrontarem com conteúdos organizados e sistematizados sobre a cultura de movimento. Isso não significa que os alunos não tenham contato com tais conteúdos fora do ambiente escolar, ao contrário, o cotidiano está repleto de situações relacionadas à cultura de movimento. Aliás, não consigo mencionar qualquer ação animal (humana) que não implique movimento. No entanto, é na escola que esse conhecimento deve ser organizado e sistematizado, carregando a intenção clara de aprendizagem e formação das pessoas frente ao que se considera urgente na área e na sociedade.
Há que pensar no desenvolvimento das aprendizagens urgentes e, portanto, intimamente relacionadas ao contexto de vida dos alunos © Arquivo
O alcance da intenção pedagógica não é tarefa simples e nem rápida. O trabalho educacional constitui sempre um processo lento, contínuo e de diversas retomadas. Isso significa que o trabalho pedagógico intencional é sempre um processo de tomada de decisões que permeiam algumas questões fundamentais: o que ensinar? Por que ensinar? Como ensinar e quais ferramentas podemos/devemos utilizar? (SACRISTÁN, 1998). Cada tomada de decisão é, simultaneamente, um momento de exclusão, já que, quando se opta por algo, se excluem todas as demais possibilidades de conteúdos, justificativas, métodos ou ferramentas que poderiam ser escolhidas naquele momento (CORTELLA, 2017).
A própria capacidade docente de ser intencional demanda exercício e experiência. Quando o professor assume as suas decisões dentro do processo pedagógico, ele coloca em jogo toda a sua formação educacional adquirida ao longo da vida em ambientes de educação informal, a sua formação enquanto aluno na educação básica e a formação no ensino superior. Por isso, as decisões pedagógicas do professor estão fortemente influenciadas pelas suas experiências de vida. Logo, não há separação entre o sujeito e o profissional, o professor decide e percebe as necessidades e intenções educacionais a partir do seu desenvolvimento nas diferentes esferas de formação (TARDIFF, 2000). Talvez, a tarefa de decidir o que ensinar e qual perfil de sujeito formar seja o elemento de maior peso e responsabilidade na tarefa docente.
A Educação Física escolar, seja em tempos de necessidade de ensino remoto ou presencial, deve permitir a prevalência da sua intencionalidade enquanto componente curricular sobre o seu objeto de estudo específico à luz das percepções dos professores e dos documentos norteadores do ensino na escola. Em outras palavras, a condição de ensino remoto impõe a reorganização, reinvenção e o manejo das formas (métodos) de ensino, mas não pode ocasionar a perda da essência e da contribuição na formação integral do sujeito. Apesar disso, espera-se que o trabalho realizado durante os tempos de ensino remoto seja convertido em legados para as aulas após a pandemia, ou seja, que o ensino adquira resquícios de hibridez, mesclando ações presenciais e o uso dos recursos digitais.
É no bojo dessas questões e compromissos da Educação Física com a formação integral das pessoas que reside a complexidade e a importância da atuação docente nessa área de conhecimento.
Quando se verifica que na estrutura toda da BNCC está clara a definição do que deve ser ensinado nas escolas, das aprendizagens que devem ser atingidas em cada nível de ensino e do perfil de formação das crianças e jovens, ou seja, tudo o que caracteriza um currículo. Resta aos sistemas e às instituições de ensino a determinação dos recursos e métodos pelos quais tal organização do conhecimento será apresentada aos alunos em cada contexto escolar.
No contexto da BNCC a Educação Física escolar deverá ser ofertada dentro de cinco campos de experiência na educação infantil: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; escuta, fala, pensamento e imaginação; traços, sons, cores e imagens; e espaços, tempos, quantidades, relações e transformações (BRASIL, 2017). Espera-se que as aulas de Educação Física na educação infantil assumam o caráter transversal a fim de contemplar o desenvolvimento infantil nos campos de experiência.
A Educação Física escolar baseada em problemas apresenta-se como uma das formas de se conceber a modernidade nessa área © Arquivo
Para o ensino fundamental, as unidades temáticas foram definidas em jogos e brincadeiras, esportes, ginásticas, danças, lutas e práticas corporais de aventura. A flexibilidade do documento está nos objetos de conhecimento que derivam das unidades temáticas e permitem a escolha de temas regionais. Tais unidades temáticas e objetos de conhecimentos devem contemplar oito dimensões do conhecimento: experimentação (vivência dos movimentos corporais), uso e apropriação (desenvolvimento da autonomia), fruição (apreciação estética do movimento corporal), reflexão sobre a ação (conhecimento gerado da observação da prática), construção de valores (relação do sujeito com o objeto de estudo), análise (entendimento sobre o objeto de estudo), compreensão (visão sobre o objeto de estudo no contexto sociocultural), e protagonismo comunitário (atitudes e ações para a democratização das atividades de movimento) (BRASIL, 2017).
Vale ressaltar que as dimensões do conhecimento propostas pela BNCC estão inter-relacionadas e, portanto, o desenvolvimento de uma acaba servindo de estímulo ao aprimoramento da outra.
No ensino médio, seguindo a BNCC, a Educação Física está contida na área de linguagens e suas tecnologias e, por isso, deve promover intersecções constantes com as demais disciplinas da área (arte, língua portuguesa e língua estrangeira) (BRASIL, 2017).
Independentemente do nível de ensino, da área ou dos temas envolvidos no processo de ensino, a BNCC determina que a formação dos alunos deve seguir sempre em direção ao desenvolvimento de dez grandes competências gerais: conhecimento; pensamento científico, crítico e criativo; repertorio cultural; comunicação; cultura digital; trabalho e projeto e vida; argumentação; autoconhecimento e autocuidado; empatia e cooperação; responsabilidade e cidadania (BRASIL, 2017).
Nesse contexto, uma Educação Física moderna voltada à formação para a vida, por meio de aulas ministradas remota ou presencialmente, só assume valor dentro do ensino escolar caso seja promotora e fortalecedora de aprendizagens maiores do que ela mesma e de competências que ecoam na vida cotidiana dos alunos. Daí a importância do desenvolvimento docente para a sensibilidade em determinar o que, por que e como os alunos realmente precisam aprender em cada contexto escolar brasileiro nas aulas de Educação Física.
Por mais que se tenha cuidado na escolha dos conteúdos ou justificativas para o ensino de determinados temas nas aulas de Educação Física, um dos grandes trunfos da prática pedagógica reside nos métodos de ensino, ou seja, nas formas pelas quais os professores ajudam os alunos a construírem as suas aprendizagens.
Para tratar dos métodos para as aulas de Educação Física é possível remeter-se ao espectro de Mosston e Ashworth (2008), os quais pontuaram estilos de ensino organizando-os por letras que começam em A e terminam em K. Assim, A, B, C, D e E compõem o subespectro dos estilos centralizadores, cujo protagonismo é do professor e estimula a reprodução (memorização) das ideias e informações abordadas em aula. Já os estilos F, G, H, I, J e K formam o subespectro descentralizador, caracterizado pelo estímulo à produção de conhecimento por criação e descoberta, atribuindo autonomia para tomada de decisões por parte dos alunos. Então há um limiar entre os estilos E e F.
Os estilos de ensino da Educação Física vão do mais centralizado (A) até o mais descentralizado (K); os níveis de descentralização J e K, nos quais os escolares têm liberdade para descobrir e a figura do professor é dispensável, não são comuns em aulas de Educação Física (MOSSTON; ASHWORTH, 2008).
Um dos pontos importantes no uso das metodologias abertas ou ativas no ensino da Educação Física escolar é justamente o desenvolvimento de ferramentas cognitivas transferíveis às diversas situações da vida cotidiana © Arquivo
Para o ensino que preze o desenvolvimento da autonomia dos alunos, especialmente no formato mediado por tecnologia, espera-se que sejam utilizados os estilos mais centrados nos alunos (de F até K). Trata-se de tornar o ensino cada vez mais aberto, subjetivando-o, o que pressupõe uma perspectiva humanista para o processo de ensino aprendizagem e, consequentemente, para a Educação Física escolar.
O ensino aberto ou ativo traz consigo a importância da aula que procura uma ligação do aprender escolar com a vida de movimento dos estudantes; que não olha para o esporte só como rendimento; que considera as necessidades e interesses, medos e aflições dos estudantes e que não os reduz às condições prévias de aprendizagem motora; que mantém o caráter de brincadeira no movimento e na forma natural dos estudantes, ou seja, que faça com que isso se desenvolva na discussão social; que considere a relação entre movimento, percepção e realização e que possibilite aos estudantes a participação em todas as etapas do processo ensino-aprendizagem, tudo numa relação coparticipativa que se amplia conforme o amadurecimento e a responsabilidade dos integrantes do grupo (HILDERBRANDT; LAGING, 2005).
Da teoria à prática
Ultrapassando as fronteiras do mundo abstrato das teorias para mergulhar no chão da escola e aplicar o ensino aberto e moderno, sugere-se o trabalho com problemas por meio de uma sequência didática elaborada por Testa Junior (2018). A sequência didática baseada na resolução de problemas é de nível H na Teoria Mosstoniana por ser dirigida pelo professor e admitir variadas soluções de problemas pelos escolares. A sequência didática compõe-se de seis etapas:
1 – IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA: este momento é o de fazer com que os estudantes identifiquem o problema real apresentado pelo professor, reconhecendo-o como problema a ser resolvido. Tal problema deverá estar necessariamente relacionado ao tema estabelecido;
2 – COMPREENSÃO DO PROBLEMA: neste momento será necessário que os estudantes compreendam o problema, e para tal é importante que realizem uma coleta de informações e as interpretem, conceituando cada termo utilizado no problema;
3 – CONCEBER UM PLANO: após a compreensão do problema, é preciso elaborar um plano para alcançar possíveis respostas para o problema;
4 – EXECUÇÃO DO PLANO: realizar nova coleta e interpretação de dados, bem como análise e inferências sobre as informações coletadas;
5 – ELABORAÇÃO DE MAPAS CONCEITUAIS: com base nos dados coletados e nas inferências realizadas, os estudantes elaborarão desenhos gráficos que explicitem a lógica presente em seus pensamentos sobre o tema até o momento, ou seja, a compreensão e organização conceitual das informações e até resultados obtidos;
6 – COMUNICAÇÃO E VISÃO RETROSPECTIVA DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES: é a exibição escrita e oral do que os estudantes aprenderam, de maneira argumentativa, explicitando os dados obtidos.
O ensino aberto ou ativo traz consigo a importância da aula que procura uma ligação do aprender escolar com a vida de movimento dos estudantes © Arquivo
Um dos pontos importantes no uso das metodologias abertas ou ativas no ensino da Educação Física escolar é justamente o desenvolvimento de ferramentas cognitivas transferíveis às diversas situações da vida cotidiana. Além disso, trata-se de um modelo metodológico e pedagógico que permite a aplicação a partir de situações cotidianas dos alunos, como problemas sociais, de gênero, étnico-raciais, de comportamento humano e classes sociais, entre outros relacionados à cultura corporal de movimento. Em outras palavras, é possível carregar para dentro das aulas de Educação Física problemas cotidianos de qualquer perfil, relacionados à cultura de movimento.
E se estamos falando de uma Educação Física escolar que contribui para a educação para a vida, o processo de avaliação tomará dupla dimensão:
Nesses dois contextos avaliativos, poder-se-á contemplar de maneira ampla o quanto as intervenções pedagógicas promovem mudanças nas percepções e nas condutas dos alunos diante das necessidades da formação para a vida em sociedade, a partir de uma Educação Física moderna.
Considerações finais
A sociedade atual necessita do ensino que tenha sentido e significado para todos os atores do processo de ensino e aprendizagem. Nada que se aprende na escola deve ser supérfluo. Há que pensar no desenvolvimento das aprendizagens urgentes e, portanto, intimamente relacionadas ao contexto de vida dos alunos. A Educação Física escolar baseada em problemas apresenta-se como uma das formas de se conceber a modernidade nessa área, atendendo as necessidades sociais e as demandas contextuais e individuais dos alunos, formando para a vida.
Um dos grandes trunfos da prática pedagógica reside nos métodos de ensino, ou seja, nas formas pelas quais os professores ajudam os alunos a construírem as suas aprendizagens © Arquivo
Professor doutor Ademir Testa Junior é pós-doutorando na área da Educação Física
(EACH/USP), doutor em ciências do movimento humano (Unimep/SP), mestre em educação (Usal/AR),
docente do curso de Educação Física das Faculdades Integradas de Jaú e professor de Educação
Física na rede paulista de ensino (E. E. Nelly Colleone Ravagnolli). Autor de livros e membro da Academia Jahuense de Letras, integra o conselho fiscal do Panathlon Club Jaú. Vencedor do
Prêmio Victor Civita – professor nota 10 (2009). Profissional delegado do CREF4/SP