07 de outubro de 2025

Quatro em cada dez crianças e adolescentes nos Estados Unidos têm uma condição crônica de saúde, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde Infantil de 2023. Essas condições variam de problemas comuns, como asma, a doenças mais raras, como câncer infantil e cardiopatia congênita. A maioria dessas crianças continuará a conviver com essas condições na idade adulta — e a transição da assistência médica pediátrica para a adulta pode ser um momento complicado para adolescentes e jovens adultos.
À medida que adolescentes com doenças crônicas se tornam adultos, precisam desenvolver habilidades para gerir suas próprias necessidades de saúde e navegar por um sistema de saúde complexo. A transição pode ser difícil, tanto do ponto de vista logístico quanto emocional, para os jovens pacientes e para os familiares que, até então, eram os principais responsáveis pela saúde e segurança deles. “É uma mudança cultural significativa que envolve a transformação de relacionamentos, crenças, expectativas, conhecimentos e habilidades”, disse Siddika Mulchan, PsyD, psicóloga pediátrica da Faculdade de Medicina da Universidade de Connecticut e do Connecticut Children’s Hospital, que trabalha com crianças com câncer e doenças do sangue, incluindo anemia falciforme.
Como copresidente da Força-Tarefa de Transição de Adolescentes e Jovens Adultos da Divisão 54 da APA (Society of Pediatric Psychology), Mulchan e seus colegas elaboraram as novas Diretrizes da APA para o Papel da Psicologia na Transição de Cuidados de Saúde Pediátricos para Adultos. As diretrizes detalham como os psicólogos podem tornar essas mudanças mais seguras e bem-sucedidas para pacientes, famílias e profissionais de saúde
Avaliar prontidão e fortalecer autonomia: papel central do psicólogo
Jovens com doenças crônicas frequentemente recebem atendimento multidisciplinar, com profissionais como enfermeiros, assistentes sociais e diversos especialistas médicos, cada um desempenhando um papel na facilitação da transição para o atendimento adulto. Há oportunidades para os psicólogos assumirem papéis mais relevantes no apoio a pacientes, cuidadores e demais profissionais durante o processo de transição, afirmou Lisa Schwartz, PhD, psicóloga clínica do Children’s Hospital of Philadelphia e da Perelman School of Medicine da University of Pennsylvania — uma das três copresidentes da Força-Tarefa de Transição de Adolescentes e Jovens Adultos.
De fato, as habilidades específicas dos psicólogos os tornam interlocutores naturais para essa função. “Uma transição bem-sucedida na área da saúde não se resume a garantir que os pacientes tenham as habilidades e o conhecimento para gerenciar suas condições médicas. Trata-se também de construir motivação intrínseca, alinhar prioridades e expectativas, e melhorar a comunicação entre pacientes, pais, cuidadores e profissionais”, disse ela. “Há um papel central para a ciência comportamental nessas transições.”
Após anos tendo suas necessidades de saúde gerenciadas pelos pais ou por outros cuidadores, jovens adultos com doenças crônicas passam a assumir uma série de novas responsabilidades — desde encontrar novos médicos e contratar planos de saúde até comportamentos cotidianos, como monitorar a glicemia e manter a adesão ao tratamento. Trata-se de um aumento acentuado de encargos num momento já desafiador, afirmou Mulchan. “O período da adolescência e do início da vida adulta é muito estressante e carregado, com muitas mudanças. É um momento difícil para também passar por uma mudança na equipe de saúde.”
O atendimento pediátrico tem sua própria cultura, bastante distinta da atenção prestada a adultos, acrescentou Mulchan. Profissionais de saúde pediátrica costumam ser mais flexíveis com consultas e dedicar mais tempo aos pacientes; uma abordagem acolhedora e centrada no paciente é frequentemente a norma. Para muitas famílias, esses profissionais acabam por se tornar quase parte da família, de modo que o contato com uma nova equipe pode ser emocionalmente desgastante. Ao mesmo tempo em que deixam para trás uma equipe de confiança, os jovens adultos conquistam mais independência e assumem maior responsabilidade pelas próprias decisões de saúde. Na melhor das hipóteses, os pacientes já mantêm a continuidade do atendimento e se adaptam a uma nova rotina.
“Quando a transição é bem-sucedida, os pacientes passam a comparecer às consultas de atendimento a adultos, fazem perguntas aos seus profissionais, seguem os regimes médicos de forma autônoma e se envolvem em seus cuidados”, disse Mulchan. “Eles têm a sensação de que fizeram a transição para um novo lar médico.”
Os psicólogos podem identificar riscos e mapear áreas de resiliência
Quando a transição não ocorre com suavidade, as consequências podem ser graves. O período de transição tem sido associado ao aumento de complicações em condições como espinha bífida e lúpus. Entre pessoas com doença falciforme, as taxas de mortalidade são mais altas entre 19 e 24 anos (Cassidy, M., et al., BMJ Open, vol. 12, no. 12, 2022). Problemas semelhantes podem ocorrer em diversas doenças, do diabetes tipo 1 à fibrose cística e à cardiopatia congênita. “Sem o apoio do sistema pediátrico, sem o cuidado conduzido pelos pais, é um penhasco do qual as pessoas frequentemente caem”, observou Schwartz.
Um planejamento estruturado pode reduzir os riscos da transição e melhorar os resultados de saúde para jovens adultos com condições médicas. Ainda assim, pesquisas indicam que a maioria desses jovens não recebe o suporte necessário para uma transição bem-sucedida (White, P. H., et al., Pediatrics, vol. 142, no. 5, 2018). “Jovens com condições médicas crônicas geralmente têm conversas breves, ou às vezes nenhuma conversa, com qualquer profissional sobre o processo de transição”, disse Frances Cooke, estudante de pós-graduação em psicologia clínica na Catholic University of America, em Washington, DC, copresidente da força-tarefa.
Organizações como a American Academy of Pediatrics e a American Academy of Family Physicians elaboraram padrões de prática para aprimorar as transições de cuidado e os desfechos em pacientes adultos jovens. “No entanto, essas diretrizes nem sempre enfatizam a necessidade do papel dos psicólogos”, afirmou Paul Kettlewell, PhD, psicólogo pediátrico aposentado e membro do Committee on Professional Practice and Standards da APA, que revisou as novas diretrizes. “Os psicólogos devem ser centrais nesse processo.”
Para suprir essa lacuna, a Força-Tarefa de Transição de Adolescentes e Jovens Adultos e a Divisão 54 elaboraram as novas diretrizes da APA em consulta com a Got Transition — centro nacional, financiado pelo governo federal, que reúne recursos sobre a passagem da assistência pediátrica para a adulta. A Got Transition já havia desenvolvido uma estrutura baseada em evidências para ajudar os clínicos a facilitar essa mudança (White, P. et al., Six Core Elements of Health Care Transition™ 3.0, Got Transition, 2020). As diretrizes da APA foram concebidas para complementar esses recursos, oferecendo boas práticas específicas para psicólogos, sobretudo os que atuam em ambientes hospitalares e atendem jovens com condições complexas.
“O fato é que os psicólogos trabalham nesse tema há muito tempo, liderando pesquisas e atividades clínicas sobre transição de cuidados”, disse Mulchan. Ter diretrizes profissionais em mãos proporciona um guia de melhores práticas para que possam realizar esse trabalho com ainda mais efetividade.
Um planejamento cuidadoso é fundamental para uma transição tranquila dos cuidados de saúde pediátricos para os de adultos, enfatizam as diretrizes. “Se a transição for uma reflexão tardia, é muito improvável que seja bem-sucedida”, observou Mulchan.
Nesse sentido, vários pontos das novas diretrizes reforçam a importância do planejamento. O primeiro passo, em geral, é ajudar as famílias a compreender que a transição é necessária e benéfica. “Os profissionais de saúde pediátrica não são treinados para cuidar de corpos e necessidades de adultos. Para que os pacientes recebam o melhor atendimento, eles precisam de profissionais de saúde adultos”, acrescentou. “Pode ser útil enquadrar isso como algo positivo para pacientes e famílias.”
Com bastante antecedência, psicólogos podem trabalhar com famílias e equipes médicas para elaborar uma declaração ou guia de transição. Esse documento serve como um roteiro personalizado, acompanhando desde as etapas de planejamento até a transferência efetiva para o atendimento adulto.
Equidade e comunicação: vencendo barreiras culturais e de acesso
Além de abordar intervenções médicas e objetivos de cuidado, esses guias podem destacar habilidades e marcos a serem trabalhados durante o período de transição, em áreas como apoio social, funcionamento psicológico e familiar, fatores sociais de saúde, crenças sobre autocuidado e nível de autoeficácia do paciente no manejo da doença.
Os guias de transição variam de pessoa para pessoa, conforme as necessidades médicas, objetivos pessoais, valores e preferências culturais. Para ajudar na construção desse roteiro, psicólogos devem conversar com pacientes e famílias para entender como eles definem uma transição “bem-sucedida”, disse Cooke. “Não existe um comportamento ou parâmetro único para todos os pacientes”, acrescentou.
As diretrizes também detalham o papel dos psicólogos como facilitadores da comunicação entre pacientes, família e equipes de atendimento — tanto pediátricas quanto adultas — durante o desenvolvimento da declaração de transição. Os psicólogos podem funcionar como um elo comunicacional, ajudando todos a “falar a mesma língua” e a trabalhar com objetivos compartilhados.
A transição para os cuidados de saúde é um processo gradual que pode durar vários anos, afirmam os especialistas. Idealmente, os adolescentes têm tempo para amadurecer e praticar as habilidades necessárias para gerir sua saúde. Essas habilidades abrangem desde capacidades intelectuais e executivas até comportamentos específicos da doença, como verificar a glicemia ou seguir planos alimentares prescritos. As diretrizes descrevem funções que os psicólogos podem exercer para avaliar a prontidão dos pacientes e oferecer suporte adicional quando necessário. “Duas das coisas que nossa área faz muito bem são a avaliação e o desenvolvimento de intervenções”, disse Schwartz. “Como psicólogos, podemos participar da criação de uma infraestrutura e de um protocolo padronizado para avaliar a prontidão para a transição ao longo do tempo e, então usar essa avaliação para identificar alvos de intervenção.”
Schwartz e colegas desenvolveram uma estrutura de apoio a esse trabalho: o Modelo Socioecológico de Prontidão de Adolescentes e Jovens Adultos para a Transição (SMART), validado inicialmente em sobreviventes de câncer infantil (JAMA Pediatrics, vol. 167, no. 10, 2013). O modelo considera fatores preexistentes, como status médico, acesso a seguro e variáveis sociodemográficas, além de elementos modificáveis — autoeficácia, expectativas, emoções e conhecimento. Mais recentemente, pesquisadores atualizaram o modelo para incluir fatores adicionais que promovem a equidade em saúde e o validaram em uma coorte de adolescentes e jovens adultos com doença falciforme (JAMA Pediatrics, vol. 178, no. 3, 2024). O SMART pode orientar a avaliação da prontidão para a transição, sobretudo entre jovens que enfrentam disparidades em saúde.
Embora o SMART ofereça uma estrutura valiosa, não existe uma única forma de medir a prontidão para a transição, observou Schwartz. Diferentes sistemas de saúde — e mesmo departamentos dentro de um mesmo hospital — podem adotar protocolos próprios para avaliar prontidão e intervir quando necessário. O essencial é dispor de um sistema claro para identificar e modificar fatores que comprometem transições bem-sucedidas.
Um paciente, por exemplo, pode não ter ainda o conhecimento necessário para gerir seu cuidado; outro pode saber o que fazer, mas sentir grande ansiedade por deixar o pediatra; outro ainda pode entrar em conflito com os pais por diferenças de expectativa quanto à passagem para o atendimento adulto. Em cada caso, os psicólogos podem identificar os pontos críticos que demandam atenção. “Uma vez identificados esses alvos, podemos facilitar as intervenções necessárias e também servir de elo entre a família e a equipe clínica, compartilhando preocupações sobre quaisquer metas que exijam intervenção”, disse Schwartz.
Não existe uma idade ideal para a passagem para o atendimento de adultos, afirmam especialistas. Para alguns pacientes, essa transição pode ocorrer no fim da adolescência; outros só estarão prontos no início dos 20 anos. Os psicólogos podem ajudar as famílias a identificar o momento certo para cruzar essa ponte e acompanhá-las ao longo do processo. As diretrizes descrevem formas pelas quais os psicólogos podem auxiliar na transferência — abordando as preocupações dos pacientes, envolvendo as famílias na tomada de decisões compartilhadas sobre cuidados de saúde e facilitando a coordenação entre profissionais pediátricos e adultos. “Pode ser realmente desafiador fazer a transição quando uma criança tem um relacionamento forte com seus profissionais de saúde pediátricos. E pode ser realmente difícil comunicar anos de conhecimento e informações médicas complexas para alguém novo”, disse Cooke.
Os psicólogos também podem favorecer uma transição mais suave ao orientar e educar os profissionais de saúde adultos, ajudando-os a compreender melhor a experiência pediátrica do paciente e, assim, aprimorar a continuidade do cuidado. Podem ainda trabalhar diretamente com os pacientes para fortalecer comportamentos de autocuidado e abordar problemas de saúde mental — como ansiedade e depressão — que podem emergir nesse período. Quando as habilidades de autogestão do paciente ainda estão em desenvolvimento, o psicólogo pode até defender o adiamento temporário da transferência para o atendimento adulto, enquanto o jovem toma medidas concretas para aprimorar essas competências.
Ao longo dessas ações, os membros da equipe de transição devem atentar para contextos e barreiras culturais e sociais, alertou Cooke. O grau adequado de envolvimento dos pais no cuidado de seus filhos adultos jovens varia muito de cultura para cultura e de família para família. Além disso, alguns pacientes enfrentam obstáculos estruturais que tornam a transição especialmente difícil: alfabetização em saúde, acesso a transporte, cobertura de seguro e disponibilidade de serviços de qualidade influenciam diretamente os desfechos (McKenzie, R. B., et al., Population Health Management, vol. 22, no. 1, 2019). “As novas diretrizes descrevem as melhores práticas ideais, mas uma família não se beneficiará delas se estiver enfrentando barreiras dentro do sistema de saúde”, observou Cooke.
Os psicólogos podem identificar riscos e mapear áreas de resiliência. Para um paciente com baixa alfabetização em saúde, por exemplo, um apoio familiar robusto pode suprir lacunas de compreensão. Membros da força-tarefa salientam que profissionais de psicologia também podem atuar institucionalmente para enfrentar desigualdades no atendimento — combatendo estigma e preconceito por meio de linguagem inclusiva e promovendo mudanças em políticas que perpetuem desigualdades.
As diretrizes recomendam ainda que os psicólogos coletem feedback sobre o processo de transição junto a pacientes, famílias e provedores depois que os jovens estiverem instalados em seu “lar médico” adulto, para identificar barreiras remanescentes e orientar melhorias que beneficiem outras famílias em processo similar, disse Mulchan.
“Fizemos muito do ponto de vista médico para garantir que essas crianças sobrevivam até a idade adulta”, acrescentou Mulchan. “Não devemos negligenciar o que precisa ser feito do ponto de vista psicossocial para ajudar esses pacientes a adquirir as habilidades, o conhecimento e a prontidão necessários para cuidar de sua saúde de forma eficaz.”
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