05 de dezembro de 2025
Inteligência emocional como fator decisivo no desempenho humano nas organizações © Depositphotos
Este artigo apresenta a edição especial do Consulting Psychology Journal dedicada à ciência e às aplicações da inteligência emocional (IE) no ambiente de trabalho. Embora o conceito seja utilizado há mais de 35 anos para descrever habilidades emocionais associadas a resultados relevantes no desempenho profissional, persistem controvérsias sobre sua definição, mensuração e validade de construto.
O texto introdutório revisita a história do paradigma da IE e discute sua utilidade para psicólogos consultores em áreas como avaliação, treinamento e desenvolvimento de liderança. Resume evidências que sustentam a validade aplicada da IE e destaca pesquisas que demonstram seu potencial de aprimoramento por meio de intervenções estruturadas.
Apesar dos avanços, a área ainda exige estudos adicionais para consolidar práticas baseadas em evidências. O artigo apresenta, assim, uma agenda de pesquisa voltada a questões críticas para a aplicação profissional e conclui com a síntese dos cinco estudos que compõem esta edição especial.
Esta introdução à edição especial sobre inteligência emocional (IE) orienta psicólogos consultores ao esclarecer fundamentos conceituais, métodos de mensuração e aplicações práticas da IE no ambiente de trabalho. O texto sintetiza evidências empíricas que relacionam IE a desempenho, bem-estar e liderança, além de destacar que habilidades emocionais podem ser desenvolvidas por meio de intervenções estruturadas.
O artigo também revisita os principais debates conceituais — se a IE deve ser entendida como inteligência formal, traço de personalidade ou competência comportamental — e discute como diferentes definições demandam distintas estratégias de avaliação. Aponta ainda lacunas e direções de pesquisa capazes de influenciar a prática aplicada, concluindo com a apresentação dos cinco estudos que compõem a edição especial.
PALAVRAS-CHAVE: inteligência emocional, IE como traço, competências, emoções, avaliação.
A IE tornou-se um dos construtos mais discutidos na psicologia organizacional, impulsionando interesse crescente entre consultores preocupados em melhorar desempenho, eficácia de liderança e compreensão dos mecanismos emocionais no trabalho. Apesar de avanços significativos, persistem dúvidas fundamentais sobre definição, mensuração e aplicabilidade da IE em diferentes contextos. Perguntas como “o que exatamente estamos medindo?” e “qual modelo usar em cada intervenção?” permanecem centrais.
Como observaram Spector e Johnson (2006), talvez nenhum construto recente tenha gerado tanta controvérsia nas ciências sociais. Essa disputa, que envolve conceituação, validade e maleabilidade da IE (Dasborough et al., 2022), longe de enfraquecer o campo, tem alimentado a chamada “revolução afetiva no comportamento organizacional” (Barsade et al., 2003). Além disso, o conceito de IE ajudou a aproximar pesquisa acadêmica e prática organizacional, abrindo espaço para intervenções psicológicas mais sofisticadas no ambiente de trabalho.
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A concepção moderna de inteligência emocional (IE) surgiu com Salovey e Mayer (1990), que a definiram como um conjunto de habilidades ligadas à avaliação, expressão e regulação das emoções, além do uso das emoções para facilitar o pensamento — proposta estruturada como uma forma distinta de inteligência, mensurável por desempenho.
A popularização do conceito ocorreu com Inteligência Emocional (1995), de Daniel Goleman, cuja definição ampliada — incorporando motivação, empatia e habilidades sociais — expandiu o interesse público e organizacional, levando a uma proliferação de aplicações práticas antes que houvesse base científica consolidada. Esse crescimento acelerado criou um descompasso entre o entusiasmo consultivo e a necessidade de evidências mais robustas para orientar o uso da IE em ambientes profissionais.
Com a difusão do termo na década de 1990, tornou-se evidente que as diversas teorias e medidas agrupadas como IE não formavam um único construto. Pesquisas demonstraram correlações apenas baixas a moderadas entre modelos tradicionais (Brackett & Mayer, 2003; Cherniss, 2010; Di Fabio & Saklofske, 2014; Mayer et al., 2004), levando ao abandono da ideia de uma definição unificada e ao reconhecimento de múltiplas correntes teóricas (Ashkanasy & Daus, 2005).
Esse processo expôs a complexidade do campo e a confusão conceitual decorrente de agrupar medidas com origens teóricas e finalidades distintas — fenômeno semelhante ao que ocorre historicamente no estudo da inteligência cognitiva (Cherniss, 2010; Dasborough et al., 2022; Emmerling & Goleman, 2003).
Para organizar essa diversidade, surgiram categorias como os “modelos mistos”, que ampliavam a definição original de IE. Ashkanasy e Daus (2005) propuseram três correntes: (1) modelos de habilidade, (2) medidas de autorrelato dessas mesmas habilidades e (3) modelos mais amplos, incluindo IE de traço (Bar-On, 2006; Petrides et al., 2007, 2016, 2018) e competências socioemocionais (Boyatzis, 2018; Palmer & Gignac, 2024). Posteriormente, Boyatzis (2009, 2018) refinou a terceira corrente, separando modelos baseados em autopercepção daqueles fundamentados em observação comportamental — distinção que justificou a criação de uma quarta corrente.
A tendência atual favorece a rotulagem mais precisa desses modelos, permitindo compreender melhor como habilidades e traços emocionais se relacionam a resultados organizacionais. Essa diferenciação é crucial para aproximar teoria e prática, especialmente porque distintas conceitualizações da IE produzem efeitos diferentes no ambiente de trabalho.
Desde o fim da década de 1990, pesquisas têm demonstrado consistentemente que a inteligência emocional (IE) se relaciona a resultados críticos no trabalho, como desempenho, bem-estar e engajamento. Diversas meta-análises confirmam essa associação (Joseph et al., 2015; Joseph & Newman, 2010; Miao et al., 2021; O’Boyle et al., 2011; Van Rooy & Viswesvaran, 2004), indicando que tanto medidas de habilidade quanto de traço predizem desempenho — sendo os traços, em geral, preditores mais fortes. Uma síntese de 99 estudos com mais de 17 mil trabalhadores (Grobelny et al., 2021) reforçou essa conclusão em avaliações baseadas em supervisores, resultados financeiros e métricas objetivas de trabalho.
A robustez empírica se estende a múltiplos setores: a IE prediz desempenho em hotelaria (Miao et al., 2021), gera maior renda e retenção de clientes entre corretores e agentes imobiliários (Kidwell et al., 2011) e está associada à maior eficácia entre engenheiros avaliados por colegas (Boyatzis et al., 2017). Estudos longitudinais também sustentam seu valor preditivo: pontuações no Teste de IE de Mayer-Salovey-Caruso, obtidas na universidade, previram salários uma década depois, controlados inteligência, personalidade e notas (Rode et al., 2017).
Além do desempenho, a IE está relacionada a satisfação, engajamento e saúde. Uma meta-análise de 79 estudos e 22 mil trabalhadores encontrou associações positivas entre IE e satisfação no trabalho em três vertentes: habilidade (q = 0,08), autorrelato (q = 0,32) e modelos mistos (q = 0,39; Miao et al., 2017). Outra, com mais de 19 mil participantes, identificou vínculos significativos entre IE e saúde mental, psicossomática e física, com efeitos mais altos para a IE de traço (r = 0,34) do que para a IE de habilidade (r = 0,17; Martins et al., 2010).
A IE dos líderes também influencia o bem-estar e o desempenho das equipes. Uma revisão de 12 estudos com mais de 2.700 participantes mostrou forte relação entre desempenho dos funcionários e IE autorrelatada ou mista dos chefes — mas não com IE de habilidade (Miao et al., 2018). De forma semelhante, Scott et al. (2010) encontraram menos queixas físicas entre trabalhadores cujos gerentes apresentavam maior empatia (preocupação empática e sofrimento pessoal).
A questão central para psicólogos consultores tem sido saber se trabalhadores e líderes podem, de fato, desenvolver sua inteligência emocional (IE). Embora inicialmente houvesse ceticismo, mais de 50 estudos conduzidos desde a década de 1990 indicam que sim. A metanálise de Mattingly e Kraiger (2019), com 58 estudos, identificou efeitos positivos moderados do treinamento em IE — tanto em medidas baseadas em habilidades quanto em modelos mistos. Outra metanálise, com 24 estudos rigorosos, encontrou resultados praticamente idênticos (Hodzic et al., 2018).
Um exemplo ilustrativo é o estudo de Gilar-Corbi et al. (2019), que ofereceu 30 horas de treinamento em IE a gerentes seniores de uma empresa internacional de gás natural. Comparados a um grupo de controle, os participantes apresentaram melhorias consistentes em habilidades e traços emocionais, mantidas por um ano após o programa — enquanto o grupo não treinado permaneceu estável ou piorou em algumas medidas.
Embora muitos estudos não avaliem diretamente o impacto no desempenho profissional, algumas pesquisas já demonstram efeitos concretos. Em um programa destinado a professores, houve não apenas aumento na IE — medido pelo Teste de Mayer-Salovey-Caruso —, mas também melhora na relação professor-aluno e no desempenho acadêmico dos estudantes (Pattiasina et al., 2024). O estudo envolveu 60 docentes e 600 alunos, distribuídos aleatoriamente entre grupos de treinamento e controle.
Apesar dos avanços das últimas três décadas, questões centrais sobre a inteligência emocional (IE) permanecem abertas. Investigar mediadores e moderadores da IE é crucial para entender sob quais condições ela prediz desempenho. Rode et al. (2007), por exemplo, mostraram que os efeitos da IE baseada em habilidades são amplamente moderados pela conscienciosidade, indicando que a IE influencia o desempenho de forma indireta e depende da motivação para ser utilizada. Além de traços individuais, moderadores de equipe, organizacionais e culturais precisam ser explorados para ampliar a compreensão de como a IE se manifesta no trabalho.
Há consenso de que a IE pode ser desenvolvida, mas ainda faltam evidências sobre como diferentes facetas se desenvolvem, quais são mais difíceis de aprimorar e se a definição da IE como inteligência formal altera sua plasticidade. Essas questões deslocam o campo do simples “se desenvolve” para o “como e em quais condições desenvolve”, refinando o entendimento sobre o crescimento das competências emocionais.
A ascensão da inteligência artificial (IA) acrescenta novas camadas ao debate. Não se sabe se as habilidades emocionais permanecerão como diferencial humano ou se algoritmos poderão replicar tarefas emocionais com a mesma eficácia com que já desempenham tarefas analíticas. Tecnologias emergentes já demonstram potencial na avaliação da IE — como sistemas automáticos para pontuação de exercícios de centros de avaliação —, mas ainda é necessário verificar se a IA pode igualar ou superar avaliadores humanos. Em desenvolvimento profissional, a IA também mostra utilidade em ferramentas de feedback de vídeo voltadas ao aperfeiçoamento de habilidades de coaching.
Os artigos desta edição especial abordam muitas dessas questões conceituais e aplicadas, contribuindo para o avanço do campo e para o debate contínuo sobre o papel da IE no trabalho contemporâneo. Espera-se que novas pesquisas aprofundem esses caminhos.
O artigo de Mayer e Caruso (2025) diferencia de forma clara inteligência emocional (IE) e atributos socioemocionais. A IE é definida como a capacidade de raciocinar com precisão sobre emoções, alinhada aos modelos tradicionais de inteligência, enquanto os atributos socioemocionais envolvem características de personalidade, como otimismo e habilidades interpessoais. Os autores argumentam que a fusão desses construtos sob o rótulo IE gera confusão conceitual e aplicações equivocadas, defendendo a retirada do termo IE das medidas de traços socioemocionais e a ampliação das pesquisas sobre a validade preditiva única e combinada de cada um, especialmente em contextos organizacionais.
O artigo de Elfenbein (2025) atualiza o debate sobre mensuração da IE no trabalho, descrevendo o construto como um conjunto de habilidades distintas — percepção, compreensão, regulação emocional e uso das emoções para o pensamento. O autor revisa modelos baseados em habilidades, traços e comportamentos, e apresenta três metodologias principais de avaliação, cada uma com vantagens e limitações. Defende que a escolha do método seja guiada pelo objetivo organizacional — seleção, desenvolvimento ou feedback — e que abordagens combinadas ofereçam diagnósticos mais completos e úteis na prática.
Em Ivcevic et al. (2025), a IE é analisada além do indivíduo, considerando fatores de equipe e organizacionais que moldam a expressão do comportamento emocionalmente inteligente. Os autores propõem um modelo de habilidade–motivação–oportunidade, no qual habilidades de IE, autoeficácia, motivação e condições organizacionais interagem para produzir comportamentos emocionalmente inteligentes que, por sua vez, favorecem bem-estar, eficácia interpessoal e desempenho. O estudo reforça a necessidade de avaliações mais robustas e multivariadas para compreender como esses fatores se conectam ao desempenho no trabalho.
Kusik et al. (2025) investigam a relação entre IE, atuação superficial, burnout e bem-estar em enfermeiros, com base na teoria da autoconsciência objetiva. Os resultados mostram que, em contextos que exigem expressões emocionais inautênticas, maior IE pode amplificar o estresse, ao aumentar a percepção da discrepância entre emoções sentidas e exibidas. O estudo desafia a visão de que a IE é sempre benéfica e recomenda estratégias organizacionais que reduzam a atuação superficial e incentivem expressões mais autênticas.
Por fim, Palmer e Lee (2025) analisam uma avaliação comportamental de IE 360 graus aplicada à formação de líderes escolares australianos. O instrumento demonstrou validade incremental em relação às avaliações de liderança tradicionais e registrou aumento significativo nas competências emocionais após um programa de desenvolvimento, segundo observadores externos. Os achados destacam o valor das avaliações comportamentais de IE em processos de seleção e desenvolvimento de liderança — especialmente em funções de alta carga emocional — e reforçam a superioridade das avaliações por observadores sobre autorrelatos para prever eficácia no trabalho.
Em conclusão, esta edição especial destaca tanto o progresso científico quanto as complexidades inerentes ao estudo e à aplicação da IE em contextos organizacionais. Ao longo dos últimos 35 anos, a IE evoluiu de um construto contestado para um domínio multifacetado que abrange diferentes correntes teóricas, abordagens de mensuração e intervenções práticas, cada uma com implicações únicas para a psicologia da consultoria.
Evidências empíricas demonstram de forma consistente que a inteligência emocional — entendida como habilidade, traço ou competência comportamental — se associa positivamente a resultados essenciais no ambiente de trabalho, como desempenho profissional, bem-estar e eficácia da liderança, além de poder ser desenvolvida por meio de treinamentos específicos. Ainda assim, debates persistentes sobre sua definição conceitual, sobre a validade das diferentes formas de mensuração e sobre fatores contextuais que modulam seus efeitos evidenciam a necessidade de pesquisa contínua e refinamento teórico.
Os artigos desta edição, em conjunto, defendem uma distinção mais nítida entre os diversos construtos relacionados à IE, o alinhamento das estratégias de avaliação aos objetivos organizacionais e a atenção ampliada às interações entre fatores individuais, de equipe e de cultura organizacional. Diante da rápida transformação do mundo do trabalho, impulsionada, entre outros aspectos, pelo avanço da inteligência artificial, o campo precisa manter vigilância crítica sobre o valor e os limites da IE, assegurando que futuras práticas e pesquisas sejam guiadas por evidências robustas e por maior clareza conceitual.
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