Condenado por desvio de recursos e apropriação indébita, Boschi transfere pagamentos do Confef para Belo Horizonte e passa a efetuá-los com cheques

Cláudio Augusto Boschi, o presidente do Conselho Federal de Educação Física © Global Sports

No passado, crimes mapeados pelo Ministério Público mostraram que cheques para pagamento de fornecedores eram depositados na conta de Boschi, então diretor de Esportes de Minas Gerais. Agora, ele fez com que certos pagamentos do Confef fossem transferidos para a capital mineira, onde seguem o mesmo ritual.

Por Paulo Pinto / Global Sports
30 de junho de 2024 / Curitiba (PR)

Como admitir que, com todas os mecanismos de prevenção, detecção e responsabilização por atos de corrupção identificados pela Controladoria-Geral da União (CGU), atos como os de Cláudio Augusto Boschi possam acontecer em pleno 2024? Como admitir que um só elemento seja capaz de infringir regras federais e transformar uma autarquia pública em negócio particular?

Antes de discorrer sobre os fatos gravíssimos que estão ocorrendo no Conselho Federal de Educação Física (Confef), buscaremos responder e dar luz a tal questionamento, já que o atual presidente da entidade segue apenas o rito das tradições e costumes instituídos por Jorge Steinhilber, que durante 22 anos comandou a autarquia com mão de ferro, tornando-se uma espécie de “presidono” dela.

Além da participação de Steinhilber neste processo, surge outra pergunta importante: será que os diretores, conselheiros e membros da Câmara de Controle e Finanças do Confef (CCF) participam das decisões ou sobra poder ao presidente para substituir o local e a forma de pagamento de uma autarquia federal por um modelo obscuro que impossibilita o rastreamento dos recursos?

Confef

Voltado ao fomento, desenvolvimento e controle do segmento dos Profissionais de Educação Física, o Confef congrega hoje mais de 600 mil filiados e movimenta orçamento anual superior a R$ 60 milhões. Entretanto, vive a maior crise institucional desde a sua criação, nas mãos de um ex-funcionário público de Minas Gerais que acumula vários processos – já encerrados e com numerosas condenações – por desvio de recursos públicos e apropriação indébita em várias autarquias que presidiu naquele Estado.

Em 15 de dezembro de 2020, Boschi foi eleito presidente do Confef em um processo eleitoral repleto de vícios, conduzido pelo então presidente Jorge Steinhilber, que, mesmo após ter encerrado seus 22 anos de poder amplo, total e irrestrito, ainda transita nos corredores da entidade e orienta as decisões ali tomadas.

Jorge Steinhilber, o eterno mandatário do Conselho Federal de Educação Física © Global Sports

Transferência de domicílio financeiro

O Confef possui sede própria na região central do Rio de Janeiro, onde desde a sua fundação se realiza toda a operação administrativa da entidade. Contudo, assim que assumiu o comando, Cláudio Boschi tratou de transferir partes do setor financeiro da autarquia para Belo Horizonte, onde reside.

Tentamos ouvir do próprio Cláudio Boschi uma explicação plausível que justificasse a transferência da operação financeira para outro Estado, mas nem o presidente do Confef e muito menos o setor jurídico do Conselho Federal de Educação Física responderam à nossa solicitação.

Pagamentos com cheques

Todavia, o questionamento mais grave refere-se à forma utilizada pelo setor financeiro da entidade para pagar determinados despesas com cheques que estão sendo depositados numa agência bancária de Belo Horizonte. Antes, toda e qualquer movimentação financeira era realizada eletronicamente, de forma que as contas da entidade pudessem ser auditadas com absoluta exatidão.

Por que alguns pagamentos estão sendo realizados seletivamente de forma manual, por meio de um banco sediado no estado e na cidade que é o domicílio do presidente do Confef, se a entidade está sediada na capital do Estado do Rio de Janeiro? Quais critérios estão sendo utilizados para justificar um desrespeito tão grande e absurdo às normas impostas pela Controladoria-Geral da União?

Surpreendentemente, parece que Cláudio Boschi conseguiu fazer os membros da Câmara de Controle e Finanças do Confef (CCF) abrirem mão das garantias que cercavam a autarquia, o que colide diametralmentecom o Plano Anticorrupção criado em 2020 pelo Comitê Interministerial de Combate à Corrupção (CICC), mecanismo que permite à administração pública melhor controle dos atos praticados pelos responsáveis de cada setor. Esse controle segue os marcos legais, com base em recomendações internacionais que definem as ações a serem implementadas para robustecer e sistematizar os mecanismos anticorrupção do governo federal.

Conluio?

A lei federal é clara e proíbe que as autarquias públicas paguem contas com cheques. Como, então, a Câmara de Controle e Finanças do Confef autorizou essa forma de pagamento?

Parece-nos um tanto quanto improvável que pelo menos parte dos renomados profissionais que compõem a CCF do Confef resolvesse, de uma hora para outra, flertar com os riscos que as habituais ilegalidades do presidente da entidade trazem para a instituição.

Contudo, é importante destacar que todos conheciam os antecedentes criminais de Boschi, um dirigente tão associado à corrupção que nem os próprios proventos referentes ao cargo que ocupa podem ser depositados em sua conta corrente. A Justiça mineira está ávida para recuperar pelo menos parte da fortuna que ele desviou dos cofres públicos.

Sobre a utilização de cheques

A legislação brasileira que estabelece normas gerais de direito financeiro para a administração pública é a Lei Federal № 4.320, de 17 de março de 1964. Esta lei define os princípios e regras para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, incluindo normas sobre as receitas e despesas públicas.

Quanto à proibição específica do uso de cheques por autarquias públicas, esta restrição está relacionada às normas de transparência e controle financeiro impostas pela Controladoria-Geral da União (CGU). Estas normas visam a garantir maior segurança e controle sobre os recursos públicos, evitando fraudes e desvios.

Por exemplo, a Lei № 4.320/1964, em seu artigo 6º, determina que todas as receitas e despesas devem constar na Lei do Orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções, e que as transferências de recursos entre entidades públicas devem ser claramente discriminadas e registradas.

Confef na mira do TCU

No dia 12 de junho publicamos reportagem intitulada As condenações de Cláudio Boschi e a sua obscena permanência à frente do Conselho Federal de Educação Física, na qual detalhamos por que o Confef já está sendo investigado pelo Tribunal de Contas da União.

O orçamento anual bruto do Conselho Federal de Educação Física para o exercício financeiro de 2024 é estimado em R$ 60.721.000,00. Este valor foi aprovado conforme as disposições legais e destina-se a cobrir despesas operacionais do conselho ao longo do ano.

Todavia, tanto o orçamento para este ano quanto as contas da entidade foram questionados e colocados sub judice pelo Tribunal de Contas da União, que instaurou processo № TC 032.279/2023-0 / Grupo I – Classe de Assunto: VII – Denúncia contra a Unidade Jurisdicionada: Conselho Federal de Educação Física (Confef), em 17 de abril de 2024.

Envolvimento da CCF

A investigação instaurada pelo ministro relator do processo, João Augusto Ribeiro Nardes, certamente revelará as ilegalidades cometidas por Cláudio Augusto Boschi e pelos membros da Câmara de Controle e Finanças do Confef desde que o atual dirigente assumiu o comando da entidade, bem como outras ainda mais antigas, provenientes da gestão Steinhilber.

Restará aos diretores, conselheiros e membros da Câmara de Controle e Finanças do Confef esclarecer ao Ministério Público Federal as razões que os levaram a aceitar os desmandos do presidente e demais stakeholders, e a ignorar as medidas de combate à corrupção determinadas em 2020 pelo Comitê Interministerial de Combate à Corrupção.

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