17 de dezembro de 2024
Atividade física: como ela altera (para o bem) células de todos os órgãos
Com mais de 10 mil testes e 15 milhões de medições, pesquisadores descobrem como a prática de exercícios atua ao nível molecular no organismo. O estudo fornece pistas sobre o uso de treinamentos para tratamento de diversas doenças.
Por Paloma Oliveto / Correio Braziliense
9 de maio de 2024 / Curitiba (PR)
Embora já se saiba que a atividade física é um dos fatores-chave para prevenção de doenças crônicas e mortalidade precoce, os efeitos dos exercícios nas células são muito mais complexos do que se imaginava. Um estudo publicado na revista Nature por cientistas do Consórcio de Transdutores Moleculares de Atividade Física (MoTrPAC) mostra que a prática estimula alterações celulares e moleculares nos 19 órgãos analisados.
O estudo faz parte de uma iniciativa com objetivo de mapear os efeitos da atividade física no organismo para que, no futuro, as informações sejam usadas para a saúde humana. Por enquanto, as pesquisas são realizadas em ratos, monitorados em laboratório enquanto submetidos a diversos exercícios intensos.
A equipe, que inclui cientistas do Instituto Tecnológico de Massachusetts, da Universidade de Harvard e dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, entre outros, avaliou os efeitos das atividades físicas em diversos órgãos, incluindo cérebro, coração e pulmões. Em todos os tecidos estudados, houve mudanças que ajudam a regular o sistema imunológico, responder ao estresse celular e controlar inflamações associadas a doenças diversas.
Fígado
Segundo os pesquisadores, os dados obtidos até agora dão importantes pistas sobre condições de saúde que afetam os humanos. Por exemplo, foi encontrada uma possível explicação para o fígado tornar-se menos gorduroso durante a prática de atividade física. Isso poderia ajudar no desenvolvimento de novos tratamentos para a doença hepática gordurosa não alcoólica.
Steve Carr, um dos idealizadores do projeto no Broad Institute do MIT, disse, em nota, que a equipe espera que as descobertas possam ser usadas, um dia, para adaptar o exercício à condição de saúde de um paciente. Ou, então, desenvolver tratamentos que imitem os efeitos das atividades físicas para aqueles que não conseguem se exercitar. Os pesquisadores já começaram a estudar os efeitos moleculares em seres humanos, esclareceu Carr.
“Foi necessária uma aldeia de cientistas com formações científicas distintas para gerar e integrar a enorme quantidade de dados de alta qualidade produzidos”, disse Carr, co-autor sênior do estudo. “Este é o primeiro mapa de todo o organismo que analisa os efeitos do treinamento em vários órgãos diferentes. O recurso produzido será extremamente valioso e já produziu muitas visões biológicas potencialmente novas para exploração futura.”
Adrenal
Ao todo, as equipes realizaram quase 10 mil testes para fazer cerca de 15 milhões de medições no sangue e em 18 tecidos sólidos. Os dados mostram que o exercício impactou milhares de moléculas, com alterações mais extremas na glândula adrenal, que produz hormônios regulatórios de muitos processos importantes, como imunidade, metabolismo e pressão arterial.
Os cientistas também descobriram diferenças no efeito dos treinamentos em vários órgãos dependendo do sexo. Particularmente, aquelas relacionadas com a resposta imunológica ao longo do tempo. Nas fêmeas, a maioria das moléculas associadas já apresentavam mudanças entre uma e duas semanas de treinamento. Já nos machos, as alterações ocorriam entre quatro e oito semanas.
Algumas respostas foram semelhantes, independentemente de sexo ou órgãos. Os pesquisadores descobriram, por exemplo, que as proteínas relacionadas ao choque térmico, produzidas pelas células em resposta ao estresse, eram reguladas da mesma forma em diferentes tecidos.
Alvo
Outras alterações, porém, foram específicas. Por exemplo, o estudo mostrou alterações nas proteínas envolvidas na produção e armazenamento de energia no fígado, após a prática de exercícios. Essas mudanças poderiam deixar o órgão menos propenso a doenças e, ao menos teoricamente, seriam alvo para futuros tratamentos para a cirrose não alcoólica.
“Mesmo que o fígado não esteja diretamente envolvido no exercício, ele ainda sofre alterações que podem melhorar a saúde”, destaca Pierre Jean-Beltran, um dos coautores do estudo. “Ninguém especulou que veríamos essas alterações no órgão. O exercício é um processo muito complexo e esta é apenas a ponta do iceberg.”
Estudos adicionais do consórcio estão em andamento para estudar os efeitos do exercício em ratos adultos jovens e mais velhos, além da ação de curto prazo de sessões de atividade física de 30 minutos. O grupo também iniciou estudos em humanos e está recrutando cerca de 1,5 mil pessoas nos Estados Unidos, de diversos perfis, para pesquisar a resposta de treinos de resistência em crianças e adultos.
Treino como remédio
“Sabemos que o exercício tem um efeito terapêutico em muitas das doenças mais crônicas e debilitantes, mas o ainda não é como um medicamento. Isso porque a maioria dos remédios consiste em moléculas bem definidas com mecanismos de ação, farmacocinética e farmacodinâmica e efeitos adversos bem definidos. A longo prazo, a ciência quer compreender as moléculas e células associadas aos treinos em alta resolução, para que a prática de atividade física como medicamento possa se tornar uma realidade”, Jonathan Long, professor de patologia na Universidade de Stanford.
Vacina ativa resposta contra tumor agressivo
O tratamento à base de uma vacina de mRNA, com mecanismo semelhante à da covid, reprogramou o sistema imunológico de quatro pacientes com glioblastoma, um agressivo câncer cerebral, abrindo caminho para um estudo maior, de fase 1. A pesquisa, da Universidade da Flórida, é inicial e ainda são necessários muitos estudos antes de a terapia se tornar realidade, mas os autores estão entusiasmados com os resultados, publicados na revista Cell.
Com o tratamento padrão, que inclui cirurgia, radioterapia e quimioterápicos, a sobrevida média de um paciente da doença é de 15 meses. A vacina descrita no estudo tem potencial de se tornar uma nova opção de tratamento, alegam os autores. O próximo passo será testá-la em um grupo de 24 adultos e crianças com glioblastoma.
Para o ensaio clínico descrito ontem, foram incluídos quatro pacientes adultos em estágio terminal, quando não havia mais opções terapêuticas. A vacina, diferentemente dos imunizantes que previnem vírus e bactérias, não evita a doença. O que ela faz é recrutar células do sistema imunológico para lutar contra as células tumorais com mais eficácia do que os tratamentos existentes.
“Cebolas”
No estudo da Universidade da Flórida, a vacina de mRNA personalizada, com células tumorais de cada paciente, foi combinada a uma tecnologia de nanopartículas lipídicas. O oncologista Elias Sayour, autor sênior do artigo, explica que a abordagem consiste na aplicação de um aglomerado de pedacinhos das estruturas do câncer cerebral, “que se envolvem umas nas outras como se fosse um saco cheio de cebolas”. “A razão pela qual fizemos isso no contexto do câncer é que esses aglomerados alertam o sistema imunológico de uma forma muito mais profunda do que partículas isoladas o fariam.”
O cientista conta que, em menos de 48 horas, foi possível observar uma alteração significativa no sistema imunológico, com uma resposta muito mais ativa do que a observada antes da aplicação da vacina. “Isso foi muito surpreendente, dada a rapidez com que aconteceu, e nos mostrou que fomos capazes de ativar muito rapidamente a parte inicial do sistema imunológico, uma ação fundamental para desbloquear os efeitos posteriores da resposta das células contra o câncer.”
Antes de ser testada nos quatro pacientes — todos eles já morreram —, a estratégia foi utilizada em um ensaio com 10 cães, todos com tumor cerebral terminal. Nos animais, a tempo de sobrevida foi de 139, em comparação aos 30 a 60 dias típicos de cachorros com a doença. No estudo atual, o objetivo não foi medir a sobrevivência, mas observar a ação da vacina no sistema imunológico.
Caso a próxima pesquisa tenha bons resultados, os cientistas esperam testar a estratégia em um grupo de 25 pacientes exclusivamente pediátricos. “Talvez, agora possamos ter uma combinação com outras imunoterapias”, diz Sayour.