31 de julho de 2025

Escrevemos há algum tempo reflexões que visavam a apresentar o judô e as lutas em geral como possíveis ferramentas sociais para desenvolvimento de educação e saúde.
Evidente que a questão esportiva e competitiva do judô tem grande predominância no espaço social brasileiro, porém, um dos pontos que precisa ser repensado é que esta não é a única face que a modalidade pode assumir perante outras possibilidades de manifestação, orientando novos projetos e espaços de atuação profissional. Nesse sentido, abordamos que pensar num judô única e exclusivamente competitivo é limitar-se em relação às oportunidades que a prática pode proporcionar. Dessa forma, no texto O judô como esporte de participação, bem-estar e convivência social, publicado nesta revista em 2012, mostramos como judô pode ser visto como esporte de participação, bem-estar e convivência social.
Neste artigo o autor busca aprofundar a reflexão sobre a utilização do judô como ferramenta de saúde para idosos © Budopress
No presente texto, procuraremos aprofundar a reflexão sobre a utilização do judô como ferramenta de saúde para idosos e a perspectiva de ele ser inserido na saúde pública. São de conhecimento geral, e devidamente comprovados, os benefícios da atividade física para a saúde voltado ao público idoso. Entretanto.
Pode parecer estranho indicar o judô para senhores e senhoras com problemas osteoarticulares, porém, verificou-se esta possibilidade em artigos japoneses que relatam a mineralização óssea aumentada em idosos que praticavam judô em relação aos não praticantes. Ou seja, os ossos eram mais resistentes e dificilmente teriam problemas de osteoporose, que é exatamente a perda de minerais que ocorre naturalmente na velhice ou em casos de doenças específicas.
A explicação para tal fato é que o impacto do corpo gerado pelo exercício causa um efeito de deformação de um osso a partir da carga provocada, sendo que a resposta a esta tensão promoveria maior absorção de cálcio e, assim, um fortalecimento da estrutura, que em termos técnicos denomina-se efeito piezoelétrico. Convém alertar que, obviamente, os impactos referidos são os do cotidiano, da atividade física ou exercícios físicos, pois, dependendo da intensidade e do local do impacto, pode haver fratura. Devido a este fato, recomenda-se fortemente que, caso atue com judô e se interesse pela possibilidade de trabalho aqui apresentado, que estude bem e se especialize no assunto antes de iniciar quaisquer atividades com idosos.
A presença dos mais velhos é de fundamental importância na transmissão de conhecimento © Budopress
O desenvolvimento de um projeto
A partir dos dados dos judocas japoneses veteranos, o profissional de educação física e faixa-preta ni-dan (2º dan) Cláudio Joaquim Borba Pinheiro apresentou o projeto Promoção de Saúde para Mulheres Portadoras de Osteopenia e/ou Osteoporose do Município de Tucuruí (Pará-Brasil), que lhe rendeu vários artigos científicos e o título de doutor.
O importante é ressaltar que em 2010 foi publicado na revista americana Therapeutic Advances in Musculoskeletal Disease, especializada em problemas osteomusculares, o texto Bone density balance and quality of life of postmenopausal women taking alendronate participating in different physical activity programs, que apresenta a proposta de trabalho com judô adaptado como possibilidade associada à medicação de controle da densidade óssea e que encontra resultados próximos entre o judô e a musculação em relação ao ganho de massa óssea. O trabalho foi pioneiro no mundo e, felizmente, fiz parte da equipe que o publicou.
Foi uma experiência memorável trabalhar o judô com um grupo de senhoras com baixa densidade mineral óssea, ou osteoporose, que, mediante adaptações do treinamento, conseguiram vencer as barreiras do preconceito e da idade e vestiram o kimono. Elas, que nunca haviam treinado judô mas se tornaram faixa branca, conseguiram melhorar a absorção mineral óssea, reduzindo o quadro de osteoporose e, consequentemente, melhoraram sua qualidade de vida.
O judô adaptado não deve ser entendido como prática corriqueira do dojô, mas sim como uma atividade mais complexa. Devem-se evitar as lutas, randoris. As quedas e rolamentos deverão ser estimulados, mas somente após verificação de segurança do nível de densidade mineral óssea em que o idoso se enquadra e com utilização de acolchoados. Essa proteção pode ser removida progressivamente, após avaliações de controle tanto óssea (pelo médico) quanto física geral. Além disso, o profissional responsável deve ser formado em curso superior (educação física) com ênfase em saúde, estando ética e instrumentalmente habilitado para compreender o serviço que irá prestar.
Sobre informações gerais do trabalho com exercício físico relacionado a idosos, recomendamos a leitura do capítulo Doenças Osteomioarticulares do livro Orientações Para Avaliação e Prescrição de Exercícios Físicos Direcionados à Saúde, disponível para download gratuito no site do Conselho Regional de Educação Física de São Paulo (https://www.crefsp.gov.br/712-Livros-da-Cole%C3%A7%C3%A3o-Liter%C3%A1ria-20-Anos).
O interessante dos estudos de Borba Pinheiro e colaboradores é que, apesar de a musculação como método já consolidado como indicação para saúde óssea de idosos apresentar certa equivalência ao judô, verificou-se que a luta como prática de atividade física foi muito mais estimulante e divertida para os idosos investigados.
Assim, abre-se uma nova perspectiva de trabalho com o judô, que quando adaptado pode ser desenvolvido como programa de prevenção à osteoporose em idosos. Outros fatores relevantes para essa demanda são que: 1º) o judô pode servir como aprendizagem e fortalecimento corporal na prevenção de quedas, que é um dos maiores fatores de morte e lesões corporais graves que levam à incapacidade entre o público idoso; e 2º) a compra e manutenção de um dojô, tatamis e acolchoado tem menor custo que a montagem e manutenção de uma sala de musculação.
Em estudo realizado no Brasil verificaram-se benefícios significativos para pessoas que iniciaram a prática do judô após os 60 anos © Budopress
O Nicho da saúde pública
Como dito, este trabalho foi pioneiro no Brasil e no mundo, pois os experimentos com judocas idosos buscando saúde foi realizado no Japão, porém foram estudados ex-atletas e ex-praticantes que envelheceram na modalidade, enquanto no estudo brasileiro verificaram-se os benefícios iguais mesmo para pessoas que iniciaram a prática do judô após os 60 anos. Outros estudos, com outros dados e a participação de novos grupos de idosas e novas investigações, já foram realizados buscando resultados de longo prazo.
Em relação ao público masculino nessa mesma linha, apenas um estudo, em 2013, abordou a questão, e ainda assim como estudo de caso. Isso pode ser considerado um alerta em relação à inserção de senhores em grupos voltados à saúde e à falta de estímulo e propaganda do próprio judô em relação às suas possibilidades voltadas a saúde, e não apenas competitivas.
E no que diz respeito aos profissionais de saúde, principalmente os de educação física que trabalham com judô, podemos citar a viabilidade de um trabalho como esse inserido nos núcleos de Apoio à Saúde da Família na Atenção Básica (NASF-AB), que foram criados por meio da Portaria 154, de janeiro de 2008, que faz a seguinte referência à Política Nacional de Promoção da Saúde:
A Política Nacional de Promoção da Saúde – PT nº 687/GM, de 30 de março de 2006 – compreende que as Práticas Corporais são expressões individuais e coletivas do movimento corporal advindo do conhecimento e da experiência em torno do jogo, da dança, do esporte, da luta, da ginástica. São possibilidades de organização, escolhas nos modos de relacionar-se com o corpo e de movimentar-se, que sejam compreendidas como benéficas à saúde. (BRASIL, 2008).
São de conhecimento geral, e devidamente comprovados, os benefícios da atividade física para a saúde voltado ao público idoso © Budopress
Vale ressaltar algo interessante na política dos NASF-AB, que é o fato de colocar as lutas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), o que pode gerar financiamento da própria Secretaria da Saúde para atividades de assistência à saúde da família que viabilizem, por exemplo, o judô. Diante dessa realidade, proponho alguns questionamentos a título de reflexão sobre o judô e sua riqueza, que não só podemos, mas que devemos explorar: a) uma visão restrita ao alto rendimento, culturalmente constituída no judô, nos possibilita trabalhar neste segmento? b) temos condições de adaptar o judô para trabalhar também nesta vertente? c) os profissionais que trabalham com judô não devem preocupar-se com essa fatia do mercado?
Novas possibilidades sempre se apresentam, e quanto mais nos abrirmos para elas maior amplitude da prática de judô pode surgir. Lembrando que Jigoro Kano sempre identificou que o judô, enquanto atividade, deve buscar essencialmente o benefício mútuo e, neste caso, a saúde óssea de idosos.
Alexandre Janotta Drigo é bacharel em biologia e educação física (EF);
mestre em ciências da motricidade pela Unesp/RC; doutor em EF pela Unicamp
e orientador da pós-graduação em ciências da motricidade da Unesp. Pesquisa formação
profissional em EF, atividade física e saúde, lutas e metodologia do treinamento.
Membro do Conselho Federal de Educação Física, tem 66 artigos científicos publicados
no Brasil e no exterior, dez livros e 22 capítulos, entre outras produções.
É coordenador da comissão científica da FPJudô