17 de dezembro de 2024
A cruzada de uma cientista brasileira pela atividade física
Andrea Deslandes, coordenadora do Laboratório de Neurociência do Exercício da UFRJ, há 20 anos pesquisa os benefícios de se movimentar para o funcionamento do cérebro.
Por Mariza Tavares / g1
2 de abril de 2024 / Curitiba (PR)
No Laboratório de Neurociência do Exercício da UFRJ (LaNEx), onde trabalham mais de 20 pesquisadores sob o comando da professora Andrea Deslandes, o mantra é se movimentar. Há duas décadas ela estuda o efeito do exercício físico no funcionamento do cérebro, quando seus pares ainda não tinham se dado conta de que saúde física e mental estão intrinsecamente ligadas:
“Há 20 anos, as pessoas tinham muita dificuldade de entender o papel da atividade física na promoção, prevenção e no tratamento da saúde mental, da infância ao envelhecimento. Na infância, quadros como como o TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade) ou o TEA (transtorno do espectro autista) têm uma resposta maravilhosa. Na vida adulta, do uso de substâncias a transtornos alimentares, passando pelo declínio cognitivo e demências, todos se beneficiam com o exercício. O campo da neurociência tem crescido de forma exponencial”.
Deslandes também coordena a pós-graduação em psiquiatria e saúde mental (PROPSAM) da universidade – além de ser bolsista de produtividade do CNPq e da Faperj – e explica um conceito pouco conhecido: o do letramento corporal, que abrange mais do que as atividades esportivas ou a educação física nas escolas: “da mesma forma que, para ler um livro ou aprender outros idiomas é preciso saber ler, o letramento corporal se transforma na competência do movimento para nadar ou pular corda, algo que, com frequência, para crianças com TEA é um desafio”.
No LaNEx, os idosos usam exergames, que se valem da realidade virtual para simular cenários da vida real e estimular a atividade física. Os pesquisadores utilizam o Nintendo Wii e selecionam os jogos virtuais que demandem a chamada habilidade aberta, isto é, o exercício é acompanhado por engajamento cognitivo. “Começamos em 2007, com esteiras ergométricas que resultavam em melhora motora e da cognição. Depois montamos uma sala de musculação no Instituto de Neurologia da UFRJ e comprovamos os benefícios do treinamento de força para idosos. Agora estamos numa etapa mais interessante, que é associar o movimento com uma tarefa cognitiva, que exige atenção, processamento e tomada de decisão. Eles têm que decidir o que fazer num ambiente imprevisível, que pode ser de dança ou boxe”, diz.
No total, há 300 idosos que estão sendo acompanhados pela equipe de Deslandes, 24 no projeto de pesquisa envolvendo exergames. O primeiro passo é rastrear os indivíduos nas comunidades e identificar transtornos como ansiedade e depressão ou declínio cognitivo e demências. Em vez de aplicar parâmetros clínicos que são caros e menos acessíveis, como neuroimagem, exame do líquor (líquido cefalorraquidiano) ou avaliação genética, são empregados outros marcadores, como detalha:
“Há o teste da velocidade da marcha, de força de preensão manual e os de dupla tarefa. Nesses, um movimento é associado a um desempenho cognitivo, como, por exemplo, caminhar entre um cone e outro e falar o maior número de nomes de animais. Realizamos ainda testes de navegação espacial, num tapete que funciona como um labirinto. Dependendo do resultado, eles são encaminhados para o Centro de Doença de Alzheimer do Instituto de Psiquiatria para fechar o diagnóstico. A pesquisa tem um impacto social, principalmente quando levamos em conta que 70% dos idosos com demência no Brasil não têm diagnóstico, como mostra o estudo da professora Cleusa Ferri, da Universidade Federal de São Paulo. Numa parceria com o Instituto Nacional de Tecnologia, o órgão utiliza os algoritmos de machine learning para encontrar os dados capazes de predizer quadros clínicos, o que possibilitará que equipes do SUS empreguem os marcadores em grande escala”.
Na sua opinião, é fundamental que o exercício seja lúdico, prazeroso, para a pessoa querer repeti-lo. Deslandes afirma que a máxima “no pain, no gain” (sem dor não há ganhos) tem que ser substituída por “no play, no gain” (sem brincar não há melhora):
“Trabalhamos com uma tríade: autonomia, competência e conexão. A pessoa tem o direito opinar sobre o que gostaria de fazer; a atividade deve ser algo que ela saiba fazer; e participar de um grupo cria o sentimento de pertencimento. Estamos na década do envelhecimento saudável, que vai até 2030, ou seja, praticamente na metade do caminho, e os dados são alarmantes. Mais de 50% das mulheres brasileiras são fisicamente inativas; entre as jovens, mais de 80% são insuficientemente ativas. Como será daqui a 40, 50 anos?”.
O LaNEx disponibiliza em seu site materiais de divulgação para a população. São manuais, histórias em quadrinhos e vídeos para auxiliar familiares e cuidadores no dia a dia com idosos, que podem ser acessados nesse link.