17 de dezembro de 2024
Troca de informações e acompanhamento pleno fazem toda a diferença na reabilitação dos pacientes
Jogador de basquete máster e doutor em biomecânica, Ricardo Souza mostra a necessidade de maior interação entre profissionais das áreas de saúde e da Educação Física.
Por Paulo Pinto / Global Sports
25 de março de 2024 / Curitiba (PR)
Ao visitar a sede do Conselho Regional de Educação Física do Paraná (CREF9/PR), na primeira semana deste mês, o professor Ricardo Souza foi convidado pelo presidente da entidade, Gustavo Chaves Brandão, a falar sobre sua experiência pessoal, que ratifica a importância do Profissional de Educação Física na prevenção e na recuperação de lesões.
Ricardo Souza rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito quando, depois de quase um ano parado, resolveu disputar uma partida de basquete. Na época, a pandemia da covid 19 começava a dar sinais de arrefecimento, mas muitas atividades em ambientes públicos de Curitiba – inclusive hospitais – ainda sofriam diversos tipos de restrição.
A cirurgia de reconstrução, sempre indicada em lesões dessa gravidade, não poderia, portanto, ser realizada naquele momento. E foi agendada para 40 dias depois.
Profissional de Educação Física, professor de fisiologia e biomecânica em cursos de nível superior, Ricardo sabia que seria necessário desenvolver uma estratégia de recuperação para o período de convalescença, com a participação de diferentes especialistas. Mas, naquela situação em particular, precisava mais do que isso: preparar-se para chegar à mesa de cirurgia nas melhores condições físicas possíveis. Por sorte, Ricardo é casado com a fisioterapeuta Tassy Souza.
Somando expertises, o casal resolveu envolver no processo de restabelecimento o médico ortopedista, Jonathan Vidal, que já acompanhava o quadro e foi o responsável pelos procedimentos especializados. “Literalmente formamos um grupo de trabalho, no qual discutíamos e decidíamos em conjunto a tomada de cada ação destinada a promover a minha recuperação”, conta Ricardo.
Por ser Profissional de Educação Física, Ricardo já tinha em casa alguns equipamentos e acessórios que poderiam ser usados nos exercícios. “Conversando com o meu médico, fiquei sabendo que, provavelmente, as maiores consequências no pós-cirúrgicas seriam a perda da força e a redução da função muscular.”
Em conjunto com a esposa, Ricardo percebeu que seriam esses dois fatores que teria de trabalhar durante os 40 dias que antecediam a cirurgia. “Tentei treinar batendo todos os meus recordes de levantamento de peso, sabendo a razão da escolha desse exercício, que podia ser executado sem limitações apesar do ligamento cruzado do joelho rompido.”
O casal programou, então, vários exercícios, feitos quase diariamente, com o objetivo de pura e simplesmente aumentar a força muscular. “Não havia preocupação estética, até porque eu iria mesmo perder massa muscular. O que mais iria impactar na minha vida, ou seja, em minhas funções após a cirurgia, seria a falta de força. E funcionou muito bem!”, assegura Ricardo.
“O Profissional de Educação Física precisa entender o valor que possui para os demais profissionais da área da saúde.”
Dessa forma, chegou ao dia da cirurgia muito forte, muito preparado; o procedimento ocorreu do jeito esperado, e Ricardo sequer precisou de muletas para sair do hospital. “Fiz a cirurgia, passei um dia internado e, quando me deram alta, minha esposa veio me buscar. Levantei da cama sozinho, troquei de roupa sozinho e saí andando – mesmo que meus passos parecessem os de um pinguim. Andei até o carro sozinho, entrei e pude constatar que estava numa condição física muito boa para quem passou por uma cirurgia daquela gravidade.”
Trabalho interativo
“O Profissional de Educação Física precisa começar a entender o valor que agrega ao trabalho de outros profissionais da área da saúde”, enfatiza Ricardo, ao relatar com mais detalhes a própria experiência.
“Depois do pós-cirúrgico, a presença da minha esposa no momento da recuperação foi muito importante. Tive um atendimento que poucos atletas de elite têm: um fisioterapeuta 24 horas por dia”, brinca Ricardo. “Ela ficava ao meu lado, apontando o que precisava ser feito, principalmente na manipulação e em exercícios mais passivos de recuperação de mobilidade, além da drenagem, que eu fazia duas ou três vezes por dia e que ajudou muito na redução do edema.”
O processo mostrou-se muito proveitoso. Ricardo mandava fotos quase diariamente para o seu médico, estabelecendo até uma relação de amizade. “Até hoje a gente vive trocando ideias e figurinhas, e isso é uma coisa muito importante. O Profissional de Educação Física precisa começar a entender o valor que possui para os outros profissionais da área da saúde.”
Quando surgia alguma dúvida, Ricardo consultava o médico. Quando o médico tinha alguma dúvida relacionada a algum paciente, perguntava ao Ricardo. “Nós trocamos informações diferentes, porque nós exercemos funções distintas e temos diferentes habilidades. Dessa forma conseguimos contribuir um com o outro.”
Durante o processo de recuperação a troca de ideias era constante. “Eu falava das minhas evoluções, ele avaliava e aprovava. O tempo todo a gente decidia as coisas em grupo. Não foi como a maioria dos Profissionais da Educação Física acredita, infelizmente, de ações interdependentes: médico faz a parte dele, quando o médico termina entra o fisioterapeuta, quando o fisioterapeuta sai começa o trabalho do Profissional da Educação Física. Não, muito ao contrário: é todo mundo junto, o tempo todo.”
Como praticante de esportes, Ricardo reconhece que foi um pouco mais ousado do que seu médico gostaria, mas afirma era um risco calculado. “Eu estava consciente. Ele concordava e explicava os riscos dos exercícios que eu queria tentar. E ele me dava certa autonomia, até porque o profissional mais preparado para decidir que movimentos fazer era eu.”
A recuperação evoluiu muito rapidamente. “Com 21 dias eu já estava agachando com mais de 50% do peso que normalmente eu aguentava. Fazia agachamentos parciais, porque era uma recomendação do meu ortopedista, mas com uma carga relativamente elevada. Com 30 dias eu já estava correndo, sem grandes mudanças de direção e, obviamente, dentro das minhas limitações.”
“O Profissional de Educação Física precisa não apenas entender a função dos outros profissionais da área de saúde, mas fazê-los entender também qual é a contribuição que pode oferecer em todo o processo.”
O prognóstico do prazo para liberação de pacientes de cirurgias como a sofrida por Ricardo é de nove meses a um ano. Com sete meses ele voltou ao consultório do médico e refez um teste de dinamometria isocinética, que já fizera no pré-cirúrgico, para ter valores de referência.
“Como eu sou da área de biomecânica, isso tem um valor muito grande para mim. Acabei conhecendo também o fisioterapeuta que controlava o equipamento e trocamos muitas ideias. Ele me ajudou muito na leitura das informações. O exame mostrou que eu já estava mais forte e mais equilibrado do que no período anterior à cirurgia.”
Ou seja, após apenas sete meses o médico liberou Ricardo para voltar a fazer tudo que fazia antes. “Minha condição já era melhor do que antes, mas deveria retomar as atividades de forma gradativa, porque ficara muito tempo parado. Eu posso jogar basquete, mas sem contato, sem o risco de instabilidade, claro.”
Por tudo isso, Ricardo acredita que o Profissional de Educação Física precisa não apenas entender a função dos outros profissionais da área de saúde, mas fazê-los entender também qual é a contribuição que ele pode dar nesse processo todo.”
A fisioterapeuta e a educação física juntos
Além de ter a empresa de consultoria e dar aulas em cursos graduação Ricardo mantém um estúdio com sua mulher, que é fisioterapeuta, e uma sócia Profissional de Educação Física.
“Todos os atendimentos que fazemos têm o cunho da fisioterapia e da Educação Física ao mesmo tempo. Porque entendemos que não há como um único profissional ter todo o conhecimento necessário para promover a saúde de alguém. Quanto mais a gente combina profissionais de diferentes áreas, quanto mais a gente conversa com todo mundo, melhor vai ficando o serviço.”
Quando surge alguma dúvida, os donos do estúdio não hesitam em ligar para os médicos, se for necessário. Ricardo deu um exemplo: “Foi o que eu fiz quando chegou uma aluna que havia colocado uma prótese de joelho. O médico estranhou eu ter ligado porque, em geral, o Profissional de Educação Física não tem essa preocupação. Mas o que mais surpreendeu o médico foi perceber que eu entendo o idioma dele, a língua da medicina. Faço perguntas que ele não esperava que eu fizesse.”
Mas isso não deveria ser uma surpresa. “O ideal é que não fosse, que o médico percebesse que o profissional faz tudo isso habitualmente. E ele gosta quando fazemos isso. Acho que ele sente uma sensação de segurança ao saber que seu paciente vai se exercitar num local seguro para ele.”
Ricardo Souza terminou a conversa afirmando que é essa interatividade entre ortopedia, fisioterapia e Educação Física que certamente vai aperfeiçoar o trabalho de todos estes profissionais da saúde, quando se pensa em acolhimento e entrega daquilo que o paciente realmente precisa num tratamento de recuperação física.
Perfil
O professor Ricardo Souza é formado em Educação Física pela UFPR, com mestrado e doutorado em biomecânica pela mesma instituição. É autor de diversos livros e artigos publicados em veículos nacionais e internacionais na área do exercício e saúde.
Ministra há quase 20 anos as disciplinas de fisiologia do exercício e biomecânica em cursos de graduação e pós-graduação de Educação Física, Fisioterapia e Nutrição. Como consultor em fitness, atua no Brasil e na Europa desenvolvendo metodologias exclusivas para academias, com mais de 40 projetos entregues e mais de 1.000 profissionais capacitados.
Também é sócio proprietário da Marble Pro Studio, espaço de treinamento personalizado. É atleta máster de basquete (categoria +45 anos) e trabalhou de 2018 a 2022 como preparador físico e fisiologista da equipe do Curitiba Monsters, auxiliando nos campeonatos nacionais da LDB e CBB.